“Acorda
chega à janela
Que
o céu está estrelado
Os
santos reis do oriente
Em
vossa porta é chegada
Desperta
de um grande leito
Abre
a janela vem ver
Como
são lindos os presente
Que
viemos receber”.
Acima vemos um trecho de uma das canções das
Pastorinhas da Ilha. Como havíamos combinado, esse mês de março vamos homenagear,
por meio de alguns grupos, as mulheres de Ilha Grande - PI.
As Pastorinhas da Ilha é uma grupo formado em
sua maioria por mulheres, esse é o motivo de estarmos aqui contanto um pouco da história delas, que saem durante as
noites do mês de Janeiro, do dia primeiro ao Dia de Reis (06), visitando com muita música e dança os lares da nossa
cidade. Você certamente já deve ter tido o privilégio de presenciar alguma
apresentação das pastorinhas ou até mesmo, tido o receio de ter a canção “Coração
de pedra dura” cantada em sua porta por elas, enfim vamos conhecer um pouco dessa
manifestação que deveria ser mais valorizada por nós, pois é algo que faz
parte da nossa identidade quanto ilhagrandense.
Ao sentarmos com dona Raimunda, apontada por vários munícipes
das proximidades do Baixão como matriarca das pastorinhas, ela nos conta um
pouco sobre como tudo começou. Segundo ela, sua mãe dera início as
apresentações:
“Tudo começou pela minha mãe. Eu
era nova, moça em casa e brinquei muito, depois me casei, ai tudo parou. Mas
ela continuou né? Ai quando foi um tempo ela não aguentou mais botar, né? Ai eu
me animei mais as outras meninas”
É importante perceber, que as pastorinhas foi algo repassado
de mãe para filha de forma espontânea, pelo desejo de diversão. Muitas de
nossas avós casaram-se cedo demais, talvez essa fosse uma forma delas se
distanciarem um pouco do lar, uma vez que a grande maioria delas são donas de
casa. E mesmo com o desafio de cuidar do lar e da família, tinham o prazer de
sair de suas casas a noite, cantando e dançando nos lares ilhagrandenses.
Ao ser perguntada como se sente hoje, vendo as pastorinhas
saindo nas ruas, dona Raimunda fala: “Nada". Apesar dessa sua forma de
falar, é possível perceber o tom de orgulho daquilo ao qual participava. Uma
fala que veio com muito entusiasmo foi sobre o deslocamento do grupo
para outros lugares: “Nesse tempo a gente andava de canoas para as Mangueiras,
para as Batatas, pra culá tudo a gente andava embarcado. Enchia a canoa de
homens, os homens é quem iam remando e as mulheres todas sentadas.” E
seu sentimento de nostalgia aparece na afirmação final da nossa conversa
quando ela fala:
“Quando
eu brincava, a gente amanhecia o dia. Eu gostava. A gente amanhecia o dia na
praça dos Morros da Mariana, todo mundo, as mulheres todas e os tocadores
amanheciam o dia lá. Quando chegava em casa cada qual cuidava no que tinha pra
fazer. Era boa a brincadeira.”
Pela fala de nossa colaboradora, podemos
chegar à conclusão, que aqueles tenham sido anos áureos para o grupo. Elas gostavam
de participar, eram reconhecidas, convidadas para ir nesses lugares mais
distantes, mas não podemos deixar de falar aqui, que muitas manifestações
populares acabam sofrendo ou caindo no esquecimento com o tempo, pois diante de
muitos outras novidades a perpetuação acaba se tornando um desafio, uma vez que
a tradição vem sendo repassada de mãe para filho por meio da oralidade.
Na visão da nossa entrevistada, as
meninas mais jovens não tem interesse em participar dessa brincadeira, “Não tem
uma moça, não tem quem queira. Moça nenhuma não vai, vai aquele monte
acompanhar, mas pra brincar não.” Ai deixo um questionamento para vocês, será
que esse desinteresse por parte dos mais jovens por manifestações populares se dá
pela falta de valorização com a nossa cultura ou será apenas o curso natural do
preço que pagamos pelo mundo moderno?
Continuando. Não poderia deixar passar, a importância do papel da mulher no lar dentro da Cultura, muitas de nossas avós e grande
parte de nossas mães são apenas “do lar”
e mesmo que esta exerça atividade fora de casa, as obrigações sempre lhes serão
cobradas. Então muito do que nós aprendemos vem de nossas mães, isso é algo da
nossa cultura patriarcal, e perceptível, quando vemos na fala de dona Raimunda como
aprendeu com sua mãe e seu filho, o Sr. Lucio
também, em sua fala diz o que
aprendeu com ela, dona Raimunda “Eu com uns, 8 anos 10 anos, acompanhava
ela. Ela tinha a turma dela. Eu fui ouvindo as músicas e eu fui aprendendo”
Sr. Lucio e sua irmã Francinete, que atualmente não mora aqui,
tem um grande conhecimento sobre as pastorinhas adquiridos da mãe. Hoje ele mantém a organização do grupo, incentiva as mulheres a participarem, e é o
único homem que dança e canta no grupo, mas para sua participação ele se
transfigura com as roupas que todas as outras usam.
Após um período sem se apresentar, Lucio e sua irmã
decidiram montar novamente o grupo, e retornar com as apresentações:
“Depois que a mamãe parou, ai ela
ficou um tempo sem botar, ai minha irmã falou assim: 'Lucio, vamos botar as pastorinhas?' e eu falei 'Vamos, vamos combinar com as meninas', ai todas conhecidas daqui
mesmo, e um convidou o outro, 'Ai nós vamos', ai se reuniu o grupo. Ai todo
ano. Agora esse ano, estamos com uma promessa de um uniforme pra gente”.
É importante ressaltar aqui sobre como o grupo se
mantém, por que nosso intuito não é somente mostrar a história, é homenagear, e
não há homenagem maior que o apoio!
As
pastorinhas sobrevivem da boa vontade daqueles que participam do grupo, elas que
se organizam, compram tecidos e fazem seus figurinos, compram seus adereços e
enfeites, contam com a ajuda de quem se oferece voluntariamente para
tocar instrumentos para elas:
“Ai
prometeram pra gente e tudo mais, mas nunca a gente conseguiu nada. Quando
chega os 15 dias antes, a gente se reúne, escolhe o tecido que a gente vai
usar, todo mundo dá uma opinião. Ai cada qual compra sua roupa e manda fazer. E
é assim [...], somos um grupo independente. A gente nunca teve ajuda de órgãos
assim.”
Falta ainda por parte do poder público, o incentivo
para nossas manifestações culturais, valorização daquilo que é nosso, porque
não chamar no aniversário da cidade as pastorinhas para fazer uma apresentação
e mostrar seu trabalho? Convidar uma marisqueira pra falar sobre suas vivências
ou as rendeiras para mostra sua tradição? Devemos ver essas mulheres para além das
figuras folclóricas, deveríamos aprender a vê-las como mulheres que fazem parte
daquilo que Ilha Grande do Piauí é, como parte daquilo que somos.
Ilha Grande - PI, 18 de março de 2020
Carta Ilhagrandense.
Dos Autores ao povo
Reportagem, TV Cidade Verde, 2014. Entrevistas com as Pastorinhas da Ilha, na fala de Francinete, filha de dona Raimunda.
Dança da cigana.
http://vozdeilhagrande.blogspot.com/2018/01/pastorinhas-de-ilha-grandepi.html
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