terça-feira, 19 de maio de 2020

O trabalho feminino



A ARTE DO FAZER: MULHERES QUE CRIAM
 Vamos conversar um pouco sobre trabalho feminino?


O mês de maio se inicia com a data de comemoração do dia trabalhadOr (Sim, ênfase para o termo em masculino), não é de se espantar que esteja no masculino, uma vez que quando falamos em trabalho, devemos lembrar que durante muito tempo essa foi uma esfera negada as mulheres, até hoje o trabalho é algo muito desafiador para elas, sendo que nós enfrentamos todos os dias: desigualdade salarial, assedio, desvalorização das atividades exercidas, jornada dupla com as atividades domesticas e cuidado com a família, que são coisas “super” cobradas das mulheres mesmo que trabalhem, poderia falar mais coisas aqui, mas vamos lá...

Falamos um pouco do trabalho dito formal, mas existe outras categorias de mulheres que tem seus trabalhos invisibilizados socialmente, temos as domésticas que muito sofrem com a desvalorização do seu trabalho, tendo que aceitar péssima remuneração por seu de serviço, uma vez que a sociedade impõe, qualquer trabalho do lar como natural à mulher.

 Mas isso está mudando né?
E temos muito que melhorar hein!

Uma categoria que gostaria de enfatizar aqui, são as mulheres que FAZEM; as artesãs que exercem a arte do CRIAR.
Nossa Ilha é rica na arte do fazer e do criar, temos mulheres que fazem da palha um lindo trabalho, temos as marisqueiras e pescadoras que fabricam seus instrumentos de trabalho, como redes e landuás, a arte da renda tão famosa na nossa cidade, as fazedoras de doce de caju no Labino e as bordadeiras da Pedra do Sal, e muitas outras.
 
            Ofícios manuais sempre estiveram presentes na vida das mulheres, mas sempre se teve uma dificuldade de entendê-los como trabalho! Sim, é um trabalho! Você com certeza deve conhecer ou mesmo ter alguém na família que faça renda, costure, faça bordado, faça um doce caseiro, uma rede pesca... Já se perguntou o trabalho e a dedicação empregada nos trabalho manuais que você conhece?






Conversei com três mulheres que dominam a arte do fazer um oficio, em uma conversa breve para entendermos um pouco do trabalho de quem faz algum artesanato, como já foi falado anteriormente existem muitas mulheres com trabalhos maravilhosos, mas essas três nos dão um panorama dos seus trabalhos.

Entre todos os desafios de quem trabalha com artesanato existem ponto em comum, este apresentado por nossas colaboradoras é a desvalorização do seu trabalho. Dona Norma Sueli do Bordados Pedra do sal diz que:
 “A maioria não entendem que é um trabalho manual e querem colocar o preço abaixo, as vezes muito abaixo de um produto industrial!”

 Alaíne, que faz parte da geração mais Jovem de rendeiras de Ilha Grande, também fala da dificuldade em relação a valorização da renda:
“Às vezes não é muito valorizado, as pessoas querem que a gente venda a um preço muito abaixo do que nós pedimos, isso é uma desvalorização, por que passamos semanas fazendo um artesanato que da bastante trabalho e ser vendido por um preço muito abaixo não é bom.”

 Rebeca Andrade idealizadora e proprietária do Ateliê Alternativo, diz que:
“Há sempre aquela jogada do cliente de colocar preço no nosso material, sem saber como ele é feito, comprado, planejado, estudado.”

            É de pensarmos por que o trabalho manual é tão desvalorizado?
As artes manuais estão presentes na história desde o começo de tudo. As primeiras peças de roupas, os primeiros acessórios e as primeiras ferramentas foram criadas de forma artesanal, a partir das necessidades dos seres humanos de se protegerem do frio, caçarem seus alimentos e se diferenciarem uns dos outros na sociedade, mas a sociedade impõe certos padrões que acabamos internalizando, muitas vezes sem pensar, isso que nos faz entrar em uma loja famosa, comprar uma marca industrializada famosa, sem nem questionar valor ou pensar o processo de produção daquela peça, mas ao chegarmos na costureira do nosso bairro, questionamos o valor do serviço dela.

Esse é um exemplo para que possamos refletir sobre como muitas vezes nós desvalorizamos o trabalho manual, não é colocar a artesã numa posição diminuída, pelo contrario é mostrar que todo trabalho é trabalho e quem o faz tem todo direito de empregar valor a ele, uma fala bastante interessante da colaboradora Rebeca mostra esse processo de evolução pessoal do trabalho manual:
“Foi comum no inicio me sentir mal e acabar aceitando o valor do cliente, porém com tempo eu comecei a trabalhar de forma mais honesta com meus processos”.

 É esse o objetivo desse debate, mostrar que é preciso se apoderar do valor que trabalho tem.

Na historia do trabalho manual, ele se origina dentro do universo feminino, nossa avós, bisavós, entendem bem esse processo, bordar, costurar fazer renda não era um trabalho, era algo que fazia parte do ser mulher, fazer renda para enxoval dos filhos, um pano de prato bordado, enfeites de casa feito de crochê, costurar roupas para família etc.  Perguntei se as colaboradoras sentiam que a desvalorização do trabalho era pelo fato desse ser feito por mulheres, elas foram unanimes “não”, dona Norma Sueli até diz que existe um machismo por dizerem que “Bordado é coisa de mulher”, ai a gente volta lá no que foi dito de onde surgiu o trabalho manual e fica a pergunta: será que a desvalorização do trabalho manual vem do valor empregado a ele inicialmente?

Teria muitas coisas a falar aqui sobre artesanato, mas meu objetivo nesse texto é enfatizar que precisamos aprender a dá valor a esses trabalhos, valorize a costureira do seu bairro, a mulher que faz vassoura, a rendeira, a doceira, a boleira, a bordadeira... valorize essas mulheres, em uma frase que estampa a pagina do Bordadeira da Pedra do sal representa bem aquilo que queremos dizer “ feito a mão como forma de resistência”, na nossa sociedade que coloca o papel da artesã como secundário, se apoderar do trabalho manual como fonte de renda é sim, ser resistente!

E claro que não poderia deixar de falar um pouco das nossas colaboradoras, porque se tem algo que diferencia o trabalho manual de qualquer outro produto é a história, por trás das mãos que criam, existe uma história, história que empregar valor único ao artesanato.
 A essas mulheres, que aqui nesse texto representam muitas outras, meu obrigado e respeito!




Norma Sueli: Bordadeira da pedra do sal.
Sou neta e filha de artesãos, extrativista e pescadores, sou bordadeira da Pedra do Sal, o bordado vem passando de geração em geração, eu aprendi com minha mãe, que aprendeu com minha vó, e ensinei minha filha e a gente vai seguindo para que não se perca, a gente bordava em casa pra gente mesmo, em 2007 foi que começamos trabalhar o bordado, vejo o trabalho manual com uma forma de manter a tradição da minha família, sem contar que é belo, amo o que faço e me orgulho de cada peça criada por mim, sou artesã com muito orgulho!



Rebeca Andrade: Ateliê Alternativo.
 Comecei fazer turbantes para mim mesma à mão, no começo de 2014, pois estava em processo de transição capilar. Ao longo do ano muitas pessoas perguntavam quem vendia, onde eu comprava, sempre diziam a mesma coisa "não acho coisas assim aqui em Parnaíba". Então resolvi vender pras pessoas próximas, passei a costurar em máquina doméstica, me aventurando com uma da minha avó, ela me emprestava a máquina e eu levava meus tecidos. Eu nunca tinha tido contato com máquina de costura, foi “o desafio”, começar do zero e sozinha. As encomendas começaram a aumentar e fui fazendo outros produtos. Consegui comprar a minha primeira máquina. Depois de um tempo de uso, começou a dar problema e comprei a minha segunda máquina de costura, nova. O que deu início a muitas possibilidades de costura, e sempre tentando fazer mais pessoas conhecerem o meu trabalho eu fazia de tudo um pouco, hoje em dia seleciono bem as coisas que posso, sei e quero fazer, pois de tanto costurar coisas que não queria para ganhar dinheiro, comecei a ver que não seria feliz assim. O Ateliê tem dado passos grandes do ano passado para cá e que ele permaneça em pé por muitos e muitos anos!


Alaíne Cristina C. Santos.
Comecei com 10 anos, foi em curso que a prefeitura disponibilizou. Era meu sonho aprender, mas minha mãe não tinha paciência de ensinar, surgiu esse curso é ela me colocou, quem presidiu o curso foi a dona Socorro.

Escrito por: THALITA NASCIMENTO DE SOUZA, Licenciatura Plena em História, pela Universidade Estadual do Piauí.


Ilha Grande - PI, 03 de maio de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena.
 As trabalhadoras de Ilha Grande

domingo, 3 de maio de 2020

Sobre os trabalhadores de Ilha Grande.


O Quitandeiro

            Quitanda, segundo o dicionário é o local ou estabelecimento onde se vendem legumes, fruta, ovos, galinha, carvão etc. Pode significar também o tabuleiro em que o quitandeiro leva suas mercadorias e em alguns estado do Brasil, o termo se refere a uma pastelaria caseira, mas para o ilhagrandense ser quitandeiro tem um significado que extrapola os limites das definições. Em Ilha Grande a quitanda foi e é um modelo ativo de comércio que fornece artigos de necessidade diária, desde os gêneros alimentícios à equipamentos do uso doméstico, porém bem menos ativo nos tempos atuais. Vendia-se de tudo, lamparinas e querosene, penicos e cabos de foice, cesta e vassouras de palha de carnaúba, azeite de coco e mercadinhos de corante em papel pardo que servia para enrolar fumo, perfumes que em tempo de Coronavírus serviria para desinfetar as mãos. 

           Hoje o Carta Ilhagrandese vai falar sobre esse trabalhador que foi porta de entrada para o comércio autônomo na ilha. A proposta é tentar explicar o declínio desse modelo, que fique registrado que seu público alvo era classe média e baixa, o que de fato representava e representa uns 95%, se não mais, da população da cidade - qual ilhagrandense, com no mínimo 20 anos nunca comprou em uma quitanda? Então amigo leitor, senta que vamos contar a história.
       O quitandeiro, no auge do seu formato econômico, flertava com o estereótipo burguês, não aquele abastardo filho de nobre que recebia herança para se desligar do pai e dar início a uma carreira de comerciante nos burgos durante a Baixa Idade Média na Europa, nem o burguês apresentado por Karl Marx e contemporâneos que é dono de seu próprio meio de produção e explora o trabalhador, mas sim com o burguês atual, o “burguês safado”.

       Ilha Grande é conhecida hoje, pelo turismo e pela produção de pescados e crustáceos, mas antes de ser considerada cidade, ainda toda como bairro, a Ilha tinha uma produção de grãos, principalmente do arroz, que começou a ser cultivado para a subsistência em um período que o produto valorizado era a cana-de-açúcar, mas  que com o enfraquecimento da exportação da cana e com uma melhoria na produção (ainda manual) do arroz, teve como fonte econômica essa atividade. 

         Em plena expansão agrícola, o dono da quitanda era o principal fornecedor para as famílias dos agricultores artesanais, famílias em sua maioria numerosas, que acordavam cedo para que os membros aptos ao serviço na lavoura, se dirigissem, antes do nascer do sol, para os portos e de lá, enfrentar a maré até a roça. No caminho para o porto a quitanda era parada obrigatória, o lavrador deixava ordens especificas para a entrega de todos os suprimentos do restante da família e fazia a compra dos produtos que levaria consigo, tudo “na conta”, significava que a compra se amontoaria sobre uma pilha de outras e tudo seria pago noutra data.

            Na situação do ilhagrandense dos anos anteriores à chegada do novo milênio, a confiança do quitandeiro na palavra do trabalhador e na boa colheita eram ótimos negócios. Um quitandeiro chegava a atendar mais 50 famílias, todas as compras anotadas em cadernos ou cadernetas, pratica que ainda é possível ser observada, a diferença entre as duas formas de controlar o serviço prestado (caderno e caderneta) era principalmente a confiança, tendo em vista que o caderno ficaria com o quitandeiro e a caderneta com o cliente. Na hora de fazer o somatório das dívidas feitas diariamente, tudo era motivo para a desconfiança aparecer, dentre muitas maneira de averiguar se o cálculo, feito de forma rápida e quase silenciosa de ante dos olhos do comprador, estava correto, era o uso de um método matemático chamado “Noves Fora”, que consiste em somar os algarismos que compõem as parcelas da adição subtraindo-se os múltiplos de 9 e comparar com o mesmo cálculo feito com os algarismos dos resultados, o que nesse caso se fossem iguais, comprovaria que o somatório seria confiável, porém, de fato não o é, pois de maneira arbitraria o vendedor ou cliente poderia alterar os valores e continuar com resultados dos noves fora correto, bastava que, por exemplo, o quitandeiro acrescentasse um 0 a mais em qualquer número como em: 5,80 + 3,40 = 90,20 ou trocasse um número de lugar: 92,00, ao resolver os noves fora desses cálculos, você poderia jurar que estaria correto. Tudo bem, o erro talvez seja gritante, mas para um trabalhador analfabeto era impossível discordar da calculadora, que é a mente de um quitandeiro.

          Gerenciar e fornecer os produtos para as famílias concedia, diretamente, o poder de intervir nas relações dos trabalhadores e o meio social, como por exemplo a atribuição política, onde o quitandeiro era forte influenciador dos votos dessas famílias. Em uma época em que a miséria baforava o hálito quente da fome entre as paredes barro e os telhados de palha, o dono da quitanda, era uma figura admirada, invejada, cobiçada, temida e uma série de adjetivos quem implicavam sobre economia e alimentação.
           Atrás de seu balcão o quitandeiro não observou a onda de mudanças que aos poucos molhava seus pés. Por falar em balcão, que durante muito tempo foi um divisor entre o cliente e a mercadoria, começou a encolher e até sumir, isso foi a  gota d'água que visivelmente marca a falência do modelo. Na época, a falta de variedade de marcas e produtos, combinadas com o desconhecimento por parte da clientela, davam bons motivos para a existência de uma barreira, que tornava impessoal o gosto do comprador. As idas mais frequentes do ilhéu ao centro de Parnaíba, aos poucos trouxe a vontade de poder escolher e tocar nos objetos antes de efetuar a compra, o cliente aprendeu a circular por entre galerias de prateleiras e a quitanda, de modo geral, teve que se adaptar. Para alguns quitandeiros, foi um golpe duro demais.

          Outro motivo para o enfraquecimento do modelo, também está relacionado ao poder de escolha do cliente. O nascimento de novas quitandas e mercearias (vendas de modo geral), diluiu o vínculo do trabalhador com um único fornecedor, desse modo, se os preços fossem abusivos ou o atendimento fosse de má qualidade, o cliente poderia mudar de quitanda/comércio e isso também fez diferença para o quitandeiro raiz, que acreditava que o roceiro tinha uma dívida eterna pela confiança doada.
           As políticas de apoio às classe mais pobres, deram finais diferentes para os jovens que acordavam cedo e remavam até o roçado. Aos poucos, mas pontualmente, as condições mais favoráveis foram retirando as novas gerações do trabalho árduo, proporcionalmente essa diminuição na massa de trabalhadores que ficaria no lugar daqueles pobres que não tiveram a condição de escolha, fez diferença para o formato de venda das quitandas.   A criação da APA (área de proteção ambiental) do Delta do Parnaíba em 1996 e da RESEX (reserva extrativista) Marinha do Delta do Parnaíba em 2000 e suas políticas de preservação do meio ambiente, coincidiram com a chegada das novas formas de cultivar, colher e vender o principal produto de Ilha Grande, o arroz. A vinda de produtos industrializados para as prateleiras dos novos mercadinhos, substituiu gradualmente o arroz pesado em saquinhos, amarrados com nó cego, por embalagens lacradas por maquinas.

      O modelo comercial da quitanda perdeu força e declinou, o capitalismo anda de mãos dadas com o darwinismo, “não é o mais forte que sobrevive no final, e sim o mais adaptável”. As quitandas viraram mercadinhos e os agricultores são catadores de caranguejo, pescadores, guias turísticos, professores, trabalhadores do setor privado e público de modo geral, a evolução acontece.



Ilha Grande - PI, 03 de maio de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena.
 Aos trabalhadores de Ilha Grande.