domingo, 12 de abril de 2020

O que estamos enfrentando?


 Ore-e-veja, que jacho é coronavírus?


Em dezembro de 2019 na província de Wuha, China, alguns casos de uma doença respiratória desconhecida começaram a ser relatos. De origem zoonótica (passagem de animal para homem), o vírus adquiriu capacidade de ser transmitido entre humanos, através de mutações em seu material genético. O novo patógeno ficou conhecido como SARS-CoV-2, pertencente à família dos coronavírus, cujos integrantes são causadores de infecções gastrointestinais (relacionado ao digestivo)  e respiratórias em humanos e animais. A exemplo temos os vírus causadores das Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV), responsáveis por surtos de infecções graves.

O novo coronavírus é responsável pela doença que ficou conhecida como COVID-19, os detalhes a cerca dessa comorbidade não estão totalmente elucidados. Sabe-se, entretanto, que ele possui uma alta transmissibilidade através de gotículas respiratórias de indivíduos infectados, bem como pelo contato com superfícies infectadas. Vale ressaltar que, apesar de ter origem zoonótica e de alguns membros da mesma família viral sejam causadores de doenças em animais domésticos, nenhum desses são capazes de transmitir o coronavírus.



 Campanha de Portugal contra o abandono de animais durante a pandemia

Ao conseguir ultrapassar as barreiras naturais do sistema imune, o vírus começa a se instalar nas células epiteliais do sistema respiratório e a multiplicar-se. O tempo entre o início da infecção e o aparecimento dos sintomas varia entre 5 e 14 dias. Ao chegar nos pulmões coloniza-os e deturba os mecanismos de defesa que ali chegam, o que muitas vezes leva a uma doença mais agressiva do que uma simples gripezinha ou resfriadinho.

A covid-19 tem um grande espectro de sintomas, que vão desde uma síndrome respiratória leve a uma muito grave, os principais são: febre, tosse (seca ou com secreção), fadiga, dispneia (falta de ar), além de outros sintomas respiratórios superiores e, em raros casos, sintomas gastrointestinais. Os casos mais graves podem levar a complicações como, pneumonia e Síndrome da Angústia Respiratória Aguda – SARA. Acreditava-se que as infecções mais graves eram quase exclusivas dos pacientes idosos, ou com alguma doença de base (diabetes, pressão alta, cardiopatias), no entanto ao longo da pandemia observou-se um aumento de jovens, sem doença prévia, entre as internações.

Quando comparada a gripe comum (0,1% em média) o covid-19 (3,6% a média mundial, susceptível a atualização) apresenta uma maior taxa de mortalidade, bem como internações em massa. Aí reside a importância do isolamento social, o coronavírus infelizmente não será eliminado tão rapidamente quanto o período estipulado para a “quarentena”, o que espera-se é que esse período seja suficiente para achatar a curva de internações e não haja saturação do sistema de saúde, permitindo o melhor atendimento para os pacientes que vierem a necessitar. Alguns governantes já tentaram eliminar essa etapa de mitigação da transmissão, vislumbrando uma imunização de rebanho, tão bem efetivada pelas vacinas, onde uma parte suficiente da população tornar-se-ia imune, protegendo os susceptíveis. Mau sabiam que esse experimento não controlado custaria milhares de vida, já que, diferente das vacinas, o coronavírus estaria livre para seguir o curso natural da doença, com uma roleta russa entre dois destinos: a recuperação ou o óbito.

Gráfico comparativo da taxa de transmissibilidade entre gripe comum e covid-19. 

Para o diagnóstico temos duas metodologias principais: RT-PCR em tempo real, essa detecta partes do vírus presentes nas amostras da nasofaringe (referente a nariz e boca) dos pacientes infectados. Esse exame é considerado o padrão ouro, podendo ser realizado a qualquer momento durante a infecção, desde os primeiros dias, com resultados altamente confiáveis. Porém, sua execução é dificultada por necessitar de todo um aparato especializado, assim como mão de obra especializada, sendo realizado, de forma geral, em centros de pesquisa e grandes laboratórios de diagnóstico. Ademais, apesar do nome há uma demora inerente a esse teste, por isso os primeiros casos demoraram a ter seus resultados.

Recentemente o governo realizou a compra de kits para outra forma de diagnóstico conhecido como teste rápido, esses tão bem conhecidos para a detecção de diversas doenças. Sua execução não necessita de ambiente controlado, com resultado em poucos minutos, é tão confiável quanto o outro, porém menos sensível durante os primeiros dias. As recomendações da Organização Mundial da Saúde são para que sejam realizadas testagens em massa, infelizmente o país ainda não adotou essa medida.

O pânico causado pela atual pandemia é grande, no entanto não surpreende a todos. Diversos estudiosos ao longo dos anos já vinham alertando que uma pandemia provocada por um vírus respiratório não seria uma questão de “se”, mas de “quando”. Você pode se perguntar “porque as autoridades não se prepararam melhor para isso?”, muito provável que o ser humano não seja capaz de visualizar longe do imediatismo, a OMS emitiu um alerta em meados de janeiro, e o que foi feito? Apesar de todos os órgãos da saúde possuírem protocolos referentes a pandemias, nenhum está efetivamente preparado para tal.

O olhar para o passado também nos traz exemplos de grandes pandemias, para mostrá-los que não é o apocalipse, ainda. No século 14 uma doença transmitida através das pulgas dos ratos, conhecida como peste negra e causada pela bactéria Yersinia pestis, foi responsável por dizimar cerca de 75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia ( Europa e Ásia). Nessa mesma época surgiu a noção de quarentena, um membro do clero (igreja), da República de Veneza, sugeriu que fossem adotadas restrições de circulação livre das pessoas, especialmente daquelas que chegava nos portos. A ideia dos 40 dias é bíblica, e já havia sido utilizado nos surtos de lepra (hanseníase).


Quadro O Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel, 1562.


A gripe espanhola, considerada por muitos a mãe das pandemias, sendo provocada pelo vírus influenza AH1N1, de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 contaminou mais de 500 milhões de pessoas. Essa chegou no Brasil, vitimando inclusive o presidente releito da época, Rodrigues Alves, não se sabe com precisão quantas foram as vítimas fatais, mas estimasse que giraram em torno de 17 milhões a 50 milhões de mortes. Medidas de restrições também foram adotadas na época, muito semelhantes as vistas nessa nova pandemia. Os remédios populares também fizeram sucesso na época, nada da manipulação farmacêutica da cloroquina, o mais popular utilizava cachaça, limão e mel como ingredientes base, essa mistura te lembra algo?


Trecho de jornal da época da gripe espanhola

Poucos se recordarão, mas o mundo passou recentemente por uma grande ameaça provocada por uma variação violenta do vírus H1N1. Em 2009 a gripe suína, surgida no México no início do ano, atingiu mais de 75 países em um curto período. De acordo com o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos foram, aproximadamente, 700 milhões a 1,4 bilhão de casos e entre 150 mil e 575 mil mortes. Por sorte o vírus influenza já é um antigo conhecido e tínhamos a possibilidade de vacina a curto prazo, o que por certo salvou o mundo de um desastre épico.

Apesar das comparações nenhuma pandemia foi igual a outra, muito menos à atual. De forma geral, a medicina já evoluiu bastante ao longo dos últimos anos, o que aumenta a esperança de uma solução relativamente rápida as nossas aflições. Além disso, há uma veiculação de informações através das diferentes mídias e redes sociais, que quando utilizadas de forma correta facilitam a conscientização em massa da população.

Escrito por Jaiane Cruz dos Santos  (Cidadã Ilhagrandense, formanda do curso de Biomedicina  da UFPI).




Ilha Grande - PI, 12 de abril de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena
 Ao povo em quarentena.


https://youtu.be/Q87c4UBXTpY

Link para vídeo sobre a peste negra

https://youtu.be/r9r_VwoZvho

Link para vídeo sobre pandemias

https://youtu.be/e-JaQOeFxtI

Link para vídeo sobre o coronavírus

https://youtu.be/_gm66nW1Jek

Link para vídeo sobre gripe espanhola




domingo, 5 de abril de 2020

A quarentena e o catador de caranguejo




A CATA DO CARANGUEJO E A CRISE CRIADA PELA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS, A COVID-19.

A pesca do caranguejo no município de Ilha Grande-PI, é hoje, sem sombra de dúvidas, o serviço artesanal mais importante para produção de renda, tendo consigo uma grande quantidade de catadores, que usam diariamente a região do Delta do Parnaíba para extração desse tão importante crustáceo.

Desde o princípio, haviam dois fortes ramos artesanais na cidade de Ilha Grande: o cultivo do arroz, às margens do rio Parnaíba e a cata do caranguejo feita nas faixas de mangues, ambos ligados diretamente à criação de renda. Todavia em meados dos anos 2000, o cultivo do arroz foi perdendo forças, graças a mecanização e a produção em larga escala que passou a acontecer próximo da região do Delta, trazendo consigo uma espécie de “colapso econômico”, tendo em vista que artesanalmente é impossível competir com máquinas e outros meios tecnológicos. 

Acontece que, uma vez que essa crise chegou no cultivo do arroz, tornando essa atividade bem menos produtiva, a quantidade de catadores de caranguejo aumentou significativamente. Os lavradores buscaram outras formas, que estavam ao seu alcance, dentro de suas realidades, tais como: pesca de peixes e de camarão, cata de marisco e a CATA DO CARANGUEJO.

Como está procedendo diante da situação financeira negativa por conta do impacto causado pela Covid-19 e como você imagina que sejam os dias que virão?

"Sem termos pra quem vender, não há por que catarmos. Infelizmente, neste momento, a nossa realidade é esta. Temos que lidar com a situação acreditando em Deus e torcendo pra que as coisas venham a se normalizar."

 EDIVALDO BATISTA DOS SANTOS, catador de caranguejo 

Edivaldo aprendeu a catar caranguejo com o pai, desde muito cedo, junto de seus outros oitos irmãos. Fazendo da cata do caranguejo a sua principal fonte de renda. 
Segundo Edivaldo, a crise causada pela Covid-19, o afetou de forma parcial, deixando o seu sustento comprometido. Ele conta que, além do caranguejo, pesca e cata outros crustáceos pra suprir a necessidade. No entanto, explica que a situação é delicada e que sem renda ficará difícil arcar com os compromissos mensais. Quando o pergunto a respeito de uma possível mudança no seu ramo de trabalho, ele responde: 

“Temos que ser diversificados, pois um homem não deve ter só um tipo de trabalho, ele deve sempre agregar-se a outros meios de trabalho pra conseguir sua renda”.

Segundo Edivaldo a situação em nossa região é ruim, no entanto é possível sobreviver aproveitando outros meios básicos de subsistência.


          Como está procedendo a sua situação financeira de ante a crise causada pela Covid-19 e como você imagina ser os dias que virão?

 "Sem o turismo fica difícil, pois tudo é um sistema só. Sem turista não temos restaurantes abertos, sem restaurantes abertos não tem carne de caranguejo, sem carne de caranguejo não temos renda".

FRANCISCO MAXIMIANO, atravessador de carne de caranguejo

Francisco é um dos poucos atravessadores de carne de caranguejo de Ilha Grande.  Segundo ele, a crise causada pela Covid-19, fez com que parasse de comprar e tirar carne de caranguejo, pois o mercado o qual ele fornece parou de funcionar, fazendo com que ele fosse obrigado também a parar de comprar o crustáceo para extração da carne. 
Pelo que Francisco diz, este é um ramo muito delicado, afinal a necessidade de extrair a carne existe para que seja realizada a venda, e por se tratar de um alimento perecível, não se pode passar muitos dias com o produto.

           Você pensa em atuar em outro ramo pra conseguir renda? 

"Não! Já estou neste meio de serviço há muito tempo. Eu tenho fé de passar esta situação pra voltarmos a trabalhar e ajudar nossos companheiros de serviço. Pra mim seria muito difícil me adaptar em outro ramo."

Edivaldo e Francisco fazem parte de uma mesma cadeia produtiva, neste caso da cata do caranguejo extraídos do Delta do Parnaíba, exercendo diferentes funções. Enquanto um cata, o outro atravessa a venda da extração da carne do crustáceo. 

É possível observar que a agregação de valor do crustáceo, possui identidades iguais. Todos dependem do crustáceo para obter renda. No entanto, diante da crise instalada no país (e no mundo inteiro) por conta da Covid-19, os mesmos criaram certas expectativas e o medo se instalou também, pois o futuro é desconhecido para todos. 

No que se refere à questão do caranguejo, é visto nesse contexto o isolamento de ideias produtivas. Logo o trabalho de anos pode desaparecer de suas mãos por conta de estruturas econômicas, que até então são mais determinantes que o próprio produtor da renda (o trabalhador). 

As ideias fixas de produzir e vender são rituais soberbos de uma economia ativa, a qual predomina sempre o capital e o seu valor de produção. 
A situação atual é nova e o seu futuro é o mais desconhecido possível, porque além do enfraquecimento das forças de trabalho, podemos também estarmos à beira de uma recessão do capital financeiro, enfraquecimento de renda e escassez de produtos. 
O capital produzido com a comercialização do caranguejo e seus derivados é de grande valia pro movimento financeiro e comercial de nossa cidade, o que faz desse momento extremamente delicado para aqueles que vivem do ramo e para o município como um todo, pois afeta diretamente a economia local e, consequentemente, ameaça a sobrevivência digna das famílias envolvidas em todo esse sistema. 


Escrito por Francisco das Chagas Mendes dos Santos (Cidadão Ilhagrandense, economista pela UFPI e catador de caranguejo profissional).



Segundo o IBAMA (artigos/2008), no Piauí existem cerca de 2.500 catadores de caranguejo. O desembarque do caranguejo-uça representa 50% da produção pesqueira do Piauí. Mesmo trabalhando com a venda de um não importante economicamente a renda média da maioria desses catadores não ultrapassa um salário mínimo. Quanto à escolaridade a grande maioria desses trabalhadores são analfabetos ou não completaram o ensino fundamental. Quanto ao caranguejo capturado, a maioria dos catadores afirma coletar de 40 a 80 caranguejos por dia. Só no município de Ilha Grande produz semanalmente 60 mil caranguejos para serem vendidos para empresários do Ceará. A extração do caranguejo é uma das atividades mais lucrativas e mais importantes do Piauí, todavia a maioria dos trabalhadores do ramo pesqueiro, mais precisamente os caranguejeiros, vive em situações miseráveis, vendendo sua força de trabalho por um salário de fome, com isso alimentam a riqueza de empresários que cada dias estão mais abastados e poderosos”.

Trecho do texto: CATADORES DE CARNAGUEJO DO DELTA DO PARNAÍBA HISTORIA E MEMÓRIA.
Autor: Daniel Souza Braga, 2012.



Ilha Grande - PI, 05 de abril de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena

Ao povo em quarentena.


Caranguejo-uça.
Vista aérea da ida ao manguezal.

Catador de caranguejo preparando "dedeiras".

Catador de caranguejo preparando fumaça para afugentar mosquitos.

Chegada ao mangue.

Caminhada na lama.

Cata do caranguejo-uça

Fabiano de Assis, catador de caranguejo de Ilha Grande.

Antônio Valdomiro, catador de caranguejo de Ilha Grande, pai de Fabiano.

As imagens usadas foram retiradas do vídeo: 

"Grenzenlos - Die Welt entdecken" in Nordbrasilien, que mostra a rotina do catador de caranguejo ilhagrandense, do momento 8 min e 30 seg aos 17 min e 30 seg.