segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sobre a formação da Colônia de Pescadores

 

Pescando histórias: notas sobre a memória histórica da Colônia Z-7 de Ilha Grande

 

Pedro Vagner Silva Oliveira

 

Uma das instituições mais antigas de Ilha Grande, a Colônia de Pescadores Z-7, nesse mês completa 91 anos de existência. Conhecida pelas gerações mais antigas e pelas mais novas, a Colônia congrega pescadores e pescadoras, trabalhadores que tiram seu sustento a partir do árduo labor nas águas doces e salgadas. Mas como surgiu a Z-7? O que sabemos sobre ela? Por qual razão foi criada essa instituição? O texto que aqui orgulhosamente apresento é fruto de uma pesquisa feita entre o ano de 2018 e 2019 sobre a história da Colônia de Pescadores Z-7, que é muito possivelmente, uma das primeiras do Piauí. Ressalto que não busco falar apenas da Colônia, mas também dos pescadores que fizeram parte dela, afinal, as pessoas são protagonistas da história. Como não daria para sintetizar 91 anos nesse breve texto, enfoquei os anos 1920 até meados de 1940, essa escolha se dá pelo motivo do “esquecimento” que acomete os primeiros anos da história da Z-7.

Comecemos então nossa navegação a partir do mar da história. Quando aprendemos História na escola, nossos professores falam sobre a Proclamação da República no Rio de Janeiro e sobre o projeto das elites de modernizar a nação e “civilizar” a sociedade brasileira daquele período. A impressão que temos é que esse processo foi afastado do nosso estado e da nossa cidade, afinal, estamos tão distantes do que era a capital. Bem, não é por aí, vamos conectar alguns pontos e vermos que o projeto republicano foi disseminado em vários lugares, inclusive, nos pontos mais remotos do país.

As Colônias de Pescadores no Brasil, surgiram no começo do século XX, poucos anos depois da proclamação da República em 1889 e foram frutos de uma tentativa de modernização e de nacionalização da pesca. Entre 1919 a 1923, o comandante Frederico Villar e outros marinheiros a bordo do Cruzador José Bonifácio, empreenderam o que ficou conhecido como “missão” do Cruzador José Bonifácio, fundando durante esses anos, 800 colônias ao longo de todo o litoral brasileiro. O intuito das colônias não era o de proteger os colonizados, como fazem atualmente os sindicatos, mas transformar os pescadores em vigias da extensa costa brasileira, essa bastante desprotegida – a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 a 1918, revelava ao país o quão suas praias careciam de vigilância e proteção contra possíveis ataques estrangeiros. A solução foi transformar a população pesqueira em reserva naval, isto é, em trabalhadores a serviço da Marinha. O que isso quer dizer na prática? Que todos os pescadores colonizados a partir daquele momento passariam a ser entendidos como marinheiros de terceira classe.

Villar, o comandante da missão, escreveu nos anos 1940 um livro contando a história de suas viagens, segundo ele “todos os pescadores do lugar eram obrigados a pertencer à sua colônia, devendo registrar os seus barcos e aparelhos de pesca e contribuir com a importância de dois cruzeiros mensais para a associação de classe”. É importante dizer que antes das Colônias, já havia controle sobre os pescadores e era feito pelas Capitânias dos Portos. Em relatórios anuais, o Ministério da Marinha do Brasil reportava dados e informações, e em alguns deles, informava a quantidade de pescadores existentes nos estados. O Relatório do Ministério da Marinha de 1919, avisava que em 1908, “apenas 55 pescadores se acha[va]m matriculados na Capitânia dos Portos do Estado do Piauí, o que é excessivamente exíguo” (Ministério da Marinha: 1919, p. 46). Considerado o número bastante baixo, o relatório dizia também os locais em que a prática pesqueira artesanal era realizada em solo piauiense, bem como os aparelhos e os núcleos de pescadores com o número de trabalhadores no litoral: “Barra Grande com uns trinta pescadores; Amarração com uns vinte; Pedra do Sal e Canárias com uns dez cada um” (Ministério da Marinha: 1919, p. 47). O leitor há de estranhar que Canárias foi citada como se fosse Piauí, num passado não tão distante, a ilha pertencia ao Piauí e o Delta era território de litígio entre esse estado e o Maranhão.

Há vários silêncios sobre as Colônias piauienses, isso se dá pela falta de documentos, ou melhor, do que nós historiadores e historiadoras chamamos de “fontes”, esse material é de suma importância pois, é a partir dele que temos ainda que de forma parcial, acesso ao passado. Dos documentos mais antigos encontrados ao longo da pesquisa feita no site do Center for Research Libraries, o Relatório do Ministério da Marinha de 1920 afirma o Piauí possuía três colônias, 89 pescadores matriculados e 60 embarcações arroladas (Ministério da Marinha: 1920, p. 57-58). Infelizmente não sabemos quais eram essas colônias, suas numerações ou locais em que estavam sediadas, tampouco o ano de fundação. No entanto, a partir de outra fonte, dessa vez encontrada na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, temos indicio de que possivelmente uma das três colônias mencionadas uma delas era a do antigo povoado de Morros da Mariana.

A revista Voz do Mar, publicação oficial da Confederação Geral dos Pescadores, em sua edição de 1926 exigia que todas as três “colônias [do Piauí] fossem reorganizadas”. Esse esforço deveria ser realizado entre as autoridades locais, juntamente com o Capitão dos Portos. Acreditamos que a colônia dos Morros seja uma das mais antigas do estado, pois, a revista Voz do Mar afirmava que o Piauí, “embora visitado pela missão Villar, que aí fundou e instalou três colônias, abandonados e sem fiscalização foram os núcleos de pescadores se desorganizando até chegarem a completa desagregação” (Revista Voz do Mar: 1928, 32). As colônias foram reorganizadas pelo capitão-tenente Eurico Correa de Mello juntamente com Benedito Pereira do Nascimento, 2º tenente reformado. A Colônia dos Morros da Mariana possuía duas escolas (São José e São Sebastião) “com mais de 100 alunos”. As escolas mantidas pelas colônias eram importantes no sentido de educar e instruir os filhos e filhas dos pescadores, e eram mantidas a partir das mensalidades pagas pelos pescadores colonizados.

Como dissemos anteriormente, o controle sobre a pesca e pescadores já existia. Em 1923 foi aprovado o decreto nº 16.197 que d,ava novo regulamento para as Capitânias dos Portos. A normativa em seu quinto paragrafo afirmava que estava a cargo das Capitânias “a matricula ou a inscrição marítima de todos os indivíduos que empregam a sua atividade no mar, rios e lagoas, inclusive o pessoal marítimo de todas as repartições federais, estaduais, municipais, pescadores e os estivadores”. A lei assegurava o controle das colônias de pescadores através das mãos da Marinha por intermédio da Capitânia dos Portos. O anuário Almanaque da Parnaíba publicou que em 1924, a Capitânia dos Portos do Piauí iria entre janeiro a março daquele ano, fiscalizar matriculas das pessoas que trabalhavam no porto e na pesca, além de fazer a renovação das licenças das embarcações que foram registradas, dentre elas, as pesqueiras. 

Nessa época, a colônia dos Morros da Mariana possuía numeração diferente, a atual Z-7 se chamava Z-3 e uma de suas escolas, a São José, recebeu dinheiro, 100$000 (cem contos de reis) em 1928 para continuar com suas atividades escolares referentes aos meses de janeiro a março, essa mesma escola perdeu o auxílio naquele ano devido à baixa frequência dos alunos em março. Esse problema parece ter sido comum. Nos três meses seguinte a escola novamente perdeu dinheiro pelo mesmo motivo. Pobres, os filhos de pescadores muitas vezes tinham de deixar de estudar a fim de trabalhar juntamente com seus pais na pesca ou na agricultura. 

Em 1929 foi fundada a Confederação Estadual de Pescadores do Piauí com sede em Parnaíba, apoiado pelo capitão dos Portos, comandante Nelson Simas de Souza. Ao que tudo indica, a Confederação das Colônias de Pescadores do Estado do Piauí era presidida por não pescadores. José Euclides de Miranda foi o primeiro presidente da Confederação Estadual, Francisco Domingos Portella, secretário e Manoel Vieira Farias no cargo de tesoureiro. A Colônia de Morros da Mariana já aparecia como Z-7 ao invés de Z-3. No ano de 1929 o Piauí possuía sete colônias: a Z-1, fundada em 1926, possuía 192 sócios, localizada em Amarração (Luís Correia); a Z-2, 217 sócios, em Parnaíba; Z-3, abrangia da Pedra do Sal ao Cotia, tinha 65 sócios; Z-4, em Buriti dos Lopes; Z-5, sediada em Teresina; Z-6, em Amarração, e por fim, Z-7, que neste ano possuía 108 associados e compreendia as localidades de Canto do Igarapé, Baixão e Canárias. Informação importante é que a colônia dos Morros da Mariana e outras três colônias piauienses, possuíam “cadernetas no Banco do Brasil com dinheiro em deposito”. 

Nesse ano, Carlos Pena Botto viria do Rio de Janeiro para substituir Nelson Simas no cargo de Capitão dos Portos. Em seu livro de memórias, o militar carioca expõe o trabalho realizado na capitania entre 1929 e 1930. Com o olhar elitista e preconceituoso, Botto afirmou que os pescadores eram “gente rebelde, teimosa, ignorante e pouco inteligente” (BOTTO: 1931, p.142). Escrevendo sobre suas viagens de inspetoria nas colônias do Piauí, Barra Grande e Parnaíba foram as duas primeiras a serem visitadas. No dia 26 de janeiro de 1930, Pena Botto a fim de visitar a Z-7, alugou um cavalo para percorrer uma viagem de “duas léguas, idade e volta”.  De acordo com ele, Morros da Mariana possuía um “núcleo de 200 pescadores”. 

   

A falta de documentos prejudica saber algumas informações importantes sobre os primeiros presidentes das colônias do Piauí, porém, foram encontrados registros em jornais que afirmam que em 1928 o presidente da Colônia Z-1, de Amarração era Manoel Borges da Fonseca, e Z-2, de Parnaíba, que teve como presidente eleito no mesmo ano, Francisco Domingues Portella. O que sabemos é que a gestão de 1930 da colônia dos Morros era formada por Fernando Oliveira no cargo de presidente; João Ignácio de Araújo como secretário e Emiliano Farias do Rego, tesoureiro. A colônia de Pedra do Sal, Z-3, era presidida por Ângelo Vieira de Souza - Leocadio dos Santos e Firmino Antônio dos Santos eram o secretário e o tesoureiro, respectivamente. Em 1930 aconteceu a chamada “Revolução de 30”, era o fim da política do Café com Leite, isto é, da oligarquia paulista e mineira que se revezavam no poder. O gaúcho Getúlio Vargas destituiu o presidente paulista Washington Luís, ficando em seu lugar até 1945, na “nova” política de Vargas, as colônias deixam de responder diretamente ao Ministério da Marinha e passam para a tutela do Ministério da Agricultura, porém, a Marinha brasileira continuou exercendo influência e poder sobre todas as colônias.

Em 1933 o número de colônias e pescadores matriculados no Piauí, aumentou, eram naquele ano 838 pescadores matriculados na Capitania do Portos do estado, dois anos antes, Penna Botto documentou ter “220 pescadores” e “199 licenças expedidas para embarcações de pesca”. A Z-7, de Morros da Mariana, possuía 157 associados e duas escolas: Comandante Zimas” – 52 alunos, e “Aldenora Mousinho” – 40 alunas. Essas escolas eram de extrema importância para o projeto defendido pela nação brasileira naquele momento, pois, através da educação dos pescadores e de seus filhos, o “atraso” das gentes das praias seria “superado” e “sanado”. Era ensinado nessas escolas: História Natural, Letramento, Matemática (geometria e aritmética) e caligrafia. Os livros eram mandados pela Confederação Geral, no Rio de Janeiro, e cada escola recebia um único exemplar. Cadernos de caligrafia também eram dados aos alunos conforme a quantidade de estudantes matriculados.

Dona Tereza Severiano, moradora da Pedra do Sal, foi uma ex-aluna da escola da Colônia Z-7 e em uma entrevista realizada 2016, a senhora afirmou: “nos Morros da Mariana tinha a escola da Colônia, não tinha esse negócio de prefeito, não tinha esse negócio de governador não, era da colônia”. Sua fala ilustra a ineficiência e mesmo ausência do estado no interior do município que se orgulhava de seu progresso material vivenciado entre os anos 1930 a 1950. A memória de Dona Teresa, num trabalho afetivo, “guardou” a vestimenta usada pelos que estudavam nas escolas. Segundo a ex-aluna, em outra entrevista, desta vez cedida para a comissão Ilha Ativa, a senhora disse que “a farda da escola era branca com quatro preguinhas, quatro na frente e quatro atrás, a golinha era de marinheiro, passado era azulzinho passado uns cadarcinhos branco quatro feito ferro de afundiar bem aqui na ponta da gola da farda, era isso que existia”. Por sorte, encontramos alguns poucos registros fotográficos dos meninos e meninas que estudaram nessas escolas. 

 

Legenda: Parada escolar do dia 29 de junho, promovida pelas escolas Cte. Simas e Aldenora Mousinho da Colônia de Pescadores Z-7. Ano: 1939. Fonte: Revista A Voz do Mar. 1939.

 

Citemos os usados no ano de 1932: História Natural de Waldemiro Potsh; Primeiro Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho; Geometria Prática de Olavo Freire; Aritmética elementar de Trajano e por fim, Aritmética de Ruy Lima e Silva.  Em 1936, a Z-3 de Pedra do Sal foi extinta, fundindo-se com a Colônia dos Morros da Mariana formando uma nova Z-7, chamada de Comandante Esperidião, possuindo 65 colonos e 19 velas a remo matriculadas. Como se pode ver, o número de colonos flutuava, alguns anos o número aumenta e noutros diminui, mostrando imprecisão dos dados. Com a junção das colônias, a escola existente na Pedra do Sal foi fechada e uma nova foi construída nos Morros, possuindo 36 alunos matriculados. Além da nova, nos Morros existia outras duas escolas que juntas tinham 95 filhos e filhas de pescadores. Não sabemos o nome da terceira escola, os documentos não citam, contudo, a Revista Voz do Mar de 1940 trazia em sua edição que o número de escolas da Z-7 aumentou, eram três, Aldenora Mousinho, Comandante Simas e Presidente Getúlio Vargas.

Em 1939 estourou outra guerra que assustou as pessoas. Rádio e jornais falavam na Segunda Guerra Mundial que duraria até 1945. Os pescadores novamente trabalharam como vigias das praias brasileiras. Os pescadores que não estavam em dias com a Colônia tinham as tarrafas e linhas tomadas, quando não, eram presos. Ao entrevistarmos pescadores mais idosos, foi comum a narrativa de que esses trabalhadores eram presos caso não estivessem em dias com a mensalidade da colônia. Apesar de nunca citarem nomes nas entrevistas, essa história, que não é de pescador, é verídica. Nos anos 1940, o jornal parnaibano, o Norte, afirmou que as pessoas que vinham de Parnaíba, ao fazerem temporadas balnearias nos Morros e em Pedra do Sal, “contaram-nos a forma violenta com que é feita a cobrança de mensalidades aos pescadores colonizados, assim como aos que não estão ainda matriculados” (O Norte. 03/01/1945, p. 4). Segundo esse jornal, os pescadores eram ameaçados pelas autoridades de “serem tomadas as tarrafas e linhas de anzóis, ameaças essas que são frequentemente executadas. A ameaça de prisão, às vezes com soldados ao lado dos cobradores, também está em voga naquelas paragens”. Como pode-se ver a partir dessa fonte, a violência sobre os pescadores existia e era prática comum nas comunidades pesqueiras. Como pode-se ver, não é de hoje que pescadores e pescadoras passam por dificuldades além da falta de peixe, remando contra a maré, esses homens e mulheres vem bravamente de gerações, resistindo. 

 

Legenda: Escola Presidente Vargas e Comandante Pina da Colônia Z-7 em desfile cívico de 7 de setembro em Parnaíba. Ano: 1953. Fonte: Revista A Voz do Mar, 1953. 

 Ilha Grande – PI, 29 de junho de 2020

Carta Ilhagrandense

 

 

Fontes:

 

Almanaque da Parnaíba. 1928.

BOTTO, Carlos Penna. Meu Exílio no Piauhy. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional: 1931.

Relatório do Ministério da Marinha. Anos de 1919 e 1922.               

Revista Voz do Mar. Várias Edições.

VILLAR, Frederico. A “missão” do cruzador José Bonifácio. Rio de Janeiro. Laemmert: 1946.


quinta-feira, 25 de junho de 2020

Arraiás

Um novo significado

Mandacaru - Labino


 “Seu moço, eu venho de longe, não sei onde vou chegar, não tenho medo de seguir, mas tenho medo de voltar. Acreditar no que acreditei e trabalhar pra quem trabalhei. Amar, amar quem eu já amei”. (Libório e João do Vale)

Esse ano é um São João diferente, cada um na sua casa tentando que viver esse momento da forma que pode, mas dá saudade né? De ir aos arraias de rua, acompanhar folguedos na praça, quem diria que algo assim faria tanta falta!

Mas vamos falar um pouco de tradição e cultura? Hoje a gente vai pensar um pouco sobre os grupos juninos, as nossas famosas quadrilha!

Desde criança a gente espera esse período pra colocar nossa roupa caipira, procurar um par e se divertir, seja na escola ou nos arraias de rua do nosso bairro, hoje na nossa Ilha temos grupos maravilhosos, que se preparam o ano todo para esse momento, com ensaios, busca de recursos para encher nossos olhos durante esses dias, vamos usar como exemplos os grupos juninos Coração Junino nos Morros da Mariana, Mandacaru no Labino e Estrela Junina da Pedra do sal, aqui faremos referência a todos os grupo. .

Você já parou pra pensar que dançar quadrilha não é somente uma manifestação da cultura brasileira? Essa ação está repleta de aspectos rituais tradicionais, bem como posicionamentos religiosos e políticos. Existe uma continuidade da tradição articulada pelos sujeitos que fazem essa festa, recriando a cada década performances na cultura junina. 

Falando um pouco da origem, a quadrilha originou-se na Inglaterra, no século XIII. Posteriormente, ela foi incorporada e adaptada à cultura francesa e se desenvolveu nas danças de salão a partir do século XVIII. Assim, a quadrilha se tornou popular entre os membros da nobreza europeia. Com sua disseminação na Europa, a quadrilha chegou a Portugal. A partir do século XIX, a dança se popularizou no Brasil mediante influência da corte portuguesa, sendo muito bem recebida pela nobreza no Rio de Janeiro, então sede da Corte. Embora fosse uma dança dos meios aristocráticos, mais tarde a quadrilha conquistou o povo e adquiriu um significado novo e mais popular.

 

Não podemos deixar de pautar que as festas juninas ganharam no Brasil uma ressignificação religiosa, dada pela forte identidade com o catolicismo a partir de cultos em devoção aos santos João, Antônio e Pedro. Esta festa foi tradicionalmente inserida no calendário popular como festa religiosa, porém apesar do apelo religioso, essa festa popular alcançou as ruas, vinculando-se às quermesses e procissões, distanciando-se gradativamente dos rituais católicos e chegando a outros espaços sociais.

Hoje podemos dizer que vivemos a tradição de duas maneiras, tem aqueles que apreciam a dança junina matuta, aquela que remete a quadrilha tradicional, que nos lembra muito os arraias de rua, que valoriza a cultura do “caipira raiz”.

Do outro lado estão os grupos modernos, que concorrem em concursos, e todos os anos trazem como objetivo a superação do quesito inovação, roupas luxuosas, coreografias complexas, evolução de temas e composições própria; elementos diferenciados, uma arte de encher os olhos, o que nos leva ao questionamento: será que estão matando a cultura da quadrilha junina?

É importante lembrar sempre, que as tradições são repassadas pela oralidade, e as culturas vão se resinificando em todos os aspectos. Sobre a cultura: tudo aquilo que produzido por ela é dinâmico, assim não é de se espantar, que a chita tão presente no período junino, dê lugar a tecidos mais finos, bordados em pedrarias. Vinculando a tradição ao tempo e à memória, assim como às modificações culturais que a sociedade sofre a cada período histórico, constatamos que o contexto histórico-temporal dos grupos juninos é construído pela vida em sociedade; não há exemplo mais evidente do que digo que, estarmos assistindo lives de festas juninas; isso é a cultura seguindo a natureza da sua dinâmica.

Stuart Hall teórico cultural e sociólogo diz: “a luta cultural assume diversas formas: incorporação, distorção, resistência, negociação, recuperação”; assim, proponho que é necessário observar essas transformações nas quadrilhas juninas como resultados de um processo histórico.

Não podemos deixar de ressaltar que esses grupos, que ocupam posições de destaque no meio junino e que conquistam diversos títulos nos concursos, geralmente são grupos mais estruturados e com maior tempo de fundação, enquanto os grupos populares tentam manter a tradição, os grupos de elite afirmam novas concepções sobre os modelos tradicionais dessa modalidade junina.

Esse momento pandêmico nos leva a refletir o quanto a tradição esta enraizada em nós, e no quanto cultura e arte se fazem necessárias na nossa vida, e aqui eu afirmo que aqueles que não valorizam a arte e a cultura atiram pedras em si mesmos.

Finalizo esse texto com um trecho da musica da Banda Mastruz com leite, que é reflexo das mudanças desse São João 2020.

Alavantu pra tu,

Anarriê pra eu


Tu no teu canto e dançando aqui no meu

Vontade voa, e a saudade cria asa


Vai ter São João, mas cada qual na sua casa


Ilha Grande – PI, 25 de junho de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores ao povo
Obrigado por não terem queimado fogueiras.




Coração Junino 

Estrela Junina

Mandacaru





sexta-feira, 12 de junho de 2020

Por um São João sem aglomerações e fumaça.



 Em toda festa de São João
Tem fogueira e tem baião
No arraiá muito quentão
sanfona não para não.

 

Se você leu o texto a cima cantarolando, significa que está imerso na cultura junina como um bom nordestino que é, mas você consegue identificar todos os elementos da estrofe?

O texto de hoje busca explicar a tradição junina a partir de uma análise desses elementos.

 

Três datas marcam as festividades: dia 13, Santo Antônio; dia 25, São João, e dia 29 que é comemorado o dia de São Pedro. Engana-se quem acha que os três são comemorados assim desde sempre, dois deles, por exemplo, foram contemporâneos à Jesus Cristo e  o outro viveu 12 séculos após; a fogueira é relacionada diretamente  apenas a um dos três; a quadrilha, como conhecemos, é original da França, e o baião e a sanfona só foram acrescentados à tradição a pouco tempo. 

 

Vamos por partes, primeiro as santidades católicas comemoradas.



Santo Antônio viveu em Lisboa - Portugal e mudou-se para Pádua na Itália, onde faleceu, daí o motivo de conhecermos este santo como Santo Antônio de Pádua, viveu entre os séculos XII e XIII.

 A cultura do dote na Europa da Idade Média funcionava da seguinte forma: a mulher devia pagar certa quantia para o homem com quem pretendia se casar, aqui é onde entra Santo Antônio, que cobrava favores à comerciantes e nobres da época, e com isso ajudava a pagar tais quantias, por esse motivo o título de santo casamenteiro. No Brasil às vésperas do dia deste santo é comemorado o dia dos namorados, presentes são trocados e simpatias são realizadas. Uma mandinga famosa feita por quem deseja casar-se, é retirar o Menino Jesus dos braços da estatueta do santo e só devolver ao local quando o casamento for realizado; com o mesmo intuito, viram-no de cabeça para baixo ou o deixam de costas.

Dá uma pesquisada ai, todas as fotos de Santo Antônio apresentam um homem que segura uma criancinha nos braços, mas lembre-se que Jesus viveu 12 séculos antes dele.

 


Um bônus: A comemoração do Dia dos Namorados, feita pelo mundo a fora, é no dia 14 de fevereiro, o dia de São Valentim. Aqui no Brasil a data 12/06 é herança de uma campanha do publicitário João Doria, pai do atual governador de São Paulo, João Doria Junior.  Em 1949, necessitando alavancar o comercio no mês de junho, o slogan “Não é só com beijos que se prova o amor”, foi o que uniu as cresças do santo casamenteiro com a troca de mimos entre os amantes.

 

      

                 

(São João sempre é retratado como se estivesse pedindo para falar, pois era conhecido por pregar a palavra e anunciar a vinda do filho de Deus. Foco na conchinha amarrada na cintura, ela serve para apanhar a água do batismo).

São João é São João Batista, um profeta filho de Zacarias e Isabel, primo de Jesus Cristo; foi prometido por Deus para o casal, mas a gravidez era de risco, pois a mãe já era idosa. No Evangelho de Lucas capítulo 1, diz: 36E eis que também Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o sexto mês para aquela que era chamada estéril, e ainda no mesmo capítulo: 56E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para casa. 57 E completou-se para Isabel o tempo de dar à luz, e teve um filho. Para quem leu com atenção nota-se que, da concepção de Jesus para o nascimento de João Batista passam 6 meses; logo, se, pela crença cristã, Jesus nasceu dia 25 de Dezembro, nada mais coerente que o santo tenha nascido dia 24 de Junho (duvido se você sabia dessa).

 Enfim, pelo fato do nascimento de João ser um milagre tão aguardado quanto de seu primo, Zacarias e Isabel acendem, no dia do nascimento do filho, uma fogueira para avisar que o milagre havia se efetivado, daí em diante a fogueira lembra este ato. Os demais santos do mês agregaram o costume. O mais comum é que as fogueiras sejam acesas às véspera do dia do santo, ou seja, dias 12, 23 e 28; há uma variação cultural em algumas cidades e famílias em que as fogueiras também são feitas no dia do santo, mas sempre as  18 horas.

Fogueiras acesas em frente de casafogueiras acesas em frente as casas



 

 A Comunidade Católica de Ilha Grande comemora, em novena, a festa de São João no Alto do Batista (entendeu a referência, né? Alto do Batista, João Batista).

   

                             

                                             Igrejinha de São Pedro na praça dos Tatus

 

No bairro Tatus, há uma igreja construída para homenagear São Pedro, ele foi apóstolo de Cristo, negou Jesus 3 vezes, é considerado o primeiro Papa e segundo a crença, é sobre ele que está edificada a Igreja Católica como instituição. Ele é responsável pela chave do Céu, as estatuetas e imagens de São Pedro sempre deixam claro essa relação, Pedro é retratado segurando uma chave. Cabe a ele fazer uma ligação entre o mundo terreno e o mundo espiritual. Foi pescador e por isso a procissão no dia de São Pedro, feita nas tardes de 29 de junho, é realizada em embarcações no Rio dos Tatus. Há uma relação mitológica que relaciona São Pedro com o clima, principalmente com a chuva ou a falta dela, e isso também se explica com o fato de ele ser responsável pelos portões do Céu.

      

 

Imagem de São Pedro. Repare nas chaves em sua mão.

Padre ao lado da imagem de São Pedro durante procissão no rio Tatus.

 


 

Quermesse, de David Teniers, o jovem (1652, óleo sobre tela, 157 x 221, Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas)

Quermesse são festas realizadas por igrejas afim de arrecadar fundos para a manutenção.  Cada uma absorve costumes regionais, criando uma identidade cultural única; por tanto, duas festas para o mesmo santo podem ser totalmente distintas dependendo do local em que estão sendo comemoradas. As quermesses vieram para o Brasil com os padres jesuítas no século XVI. Os padres ao catequizar os índios, tanto inseriam novos elementos na cultura indígena, como absorviam hábitos que aos poucos foram formando o que conhecemos. Vatapá, mungunzá ou chá de burro, maça do amor; os mais recentes, creme de galinha e arrumadinho; barraca do beijo, cadeia e correio do amor; são exemplos de comidas e dinâmicas que, para boa parte dos ilhagrandenses, formam uma espécie de ritual anual sagrado.


                                 

                                            Quadrilha Mandacaru, Labino, Ilha Grande- PI 

A quadrilha como conhecemos, aos pares e com passos elaborados, foi introduzida algum tempo depois da chegada dos jesuítas. Já com uma elite instalada, a dança era realizada em salões e o “Anarriê” é uma palavra de origem francesa que significa “para trás”, ou seja, que todos devem voltar para seus lugares. Aqui em Ilha Grande, ótimas quadrilhas se apresentam durante e após o mês de junho, com os participantes em suas vestimentas elaboradas de retalho de pano à chita.


                                   
                                      Apresentação bumba meu boi na praça dos Morros da Mariana

O Boi, como chama o Ilhagrandense, é uma dessas tradições que mistura elementos africanos, indígenas e europeus. A primeira apresentação de todas as equipes de boieiros é na noite da fogueira de São João, no dia 23 de junho. Com seus chapéus enfeitados com espelhos, brilho e penas de pavão, o boieiro ostenta uma lança e está ali para salvaguardar o Boi até o dia que ele (o Boi) irá morrer em uma apresentação durante alguma tarde de agosto. Os brincantes encenam um triste final, com perseguição que dura o dia inteiro e culmina com a estrela da festa amarrada em poste de madeira. Do Boi é tirado o sangue que todos beberão (vinho).  A morte do Boi é uma festa comemorada entre os participantes tal qual o banquete de comemoração das pastorinhas, dado que a dinâmica é semelhante, quero dizer, as equipes recebem pelas apresentações.(Nada mais justo, não acha?)


O sargento e o Boi: o brincante trajando vestes de policial, dá água ao brincante que sustenta a estrela da festa.

 

Pretendemos abordar melhor esses costumes em textos próximos.

 

 

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

 

O Baião e a sanfona são costumes acrescentados já nos anos 1900. Luiz Gonzaga é considerado um divisor de águas na tradição, ele nasceu em 1912 e consolidou a sanfona como instrumento principal do ritmo musical. O Baião é  derivado do lundu, uma dança africana. O xote aperreado, contagia todos que ouvem, o difícil é ficar parado.

Olha pro céu me amor

Vê com ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Que lá no céu vai subindo.

(...)

Trecho da musica Olha Pro Céu de composição de Luiz Gonzaga e José Fernandes, 1951.


A cultura muda e se adapta, hoje pedimos que haja consciência da parte de todos em não queimar madeira em consideração às pessoas acometidas pela síndrome respiratória aguda grave decorrente da infecção por Corona Vírus. 

 

  

Ilha Grande - PI, 12 de junho de 2020

Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena.
 Aos caipiras de Ilha Grande




segunda-feira, 1 de junho de 2020

Saudades de Junho.




OLHA PRO CÉU MEU AMOR...: É JUNHO.



“Não dá pra explicar o que sinto no peito esperando Junho chegar, coração se enche de alegria Sonho de noite e de dia, vendo o meu boi dançar, tudo em mim acelera, pedindo pro tempo passar, em meio a bordados e penas faço promessas, novenas esperando Junho chegar...” (Toada do boi Nina Rodrigues)

“Quando o mês de junho chegar, eu vou, eu vou me esfarrear. Eu vou brincar de roda, eu vou forrorear, pra festejar São João, só, só no arraiá, tem milho no asseiro bom de quebrar, e tem moça donzela doidinha pra se arrumar...”

   Então leitores mês de Junho chegou!

E esse ano ele veio pra deixar aquele gosto amargo de saudade, não teremos boi nem quadrilha dançando na praça, não teremos a tia vendendo mungunzá...
Ai, ai...êta São João dolorido esse! 

Mas vamos nos fazer uma pergunta, que valor estamos dando a nossa cultura?

Enfim nesse mês de Junho marcado de tradição e alegria, vamos falar um pouco da tradição Junina na nossa Ilha, porque afinal quem não tem uma boa lembrança do São João?



Ilha Grande - PI, 01 de junho de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena
Ao povo em quarentena.