domingo, 30 de agosto de 2020

A FÉ QUE CURA.


 


“Com Deus me deito, com Deus me levanto, Com a graça de Deus e do Espírito Santo.
Se dormir muito, acordai-me, com todas as tochas de vossa Trindade, na mansão da eternidade”

 

Muito mais do que a ciência possa explicar, a arte do benzimento está além de qualquer explicação lógica que possamos encontrar e é algo muito forte da nossa cultura, quem nunca foi numa benzedeira em busca de curar um quebranto, tirar mal olhado, sol da cabeça ou levantar as arcas caídas?

Os benzedores e benzedeiras são encontrados em grande número em comunidades rurais e na periferia das cidades, e nesse espaço são muito valorizados e respeitados, exercendo papel de conselheiros em questões que vão desde a perda de objetos pessoais, dificuldades do matrimônio e financeiras e, claro, problemas de saúde e espirituais.

Em sua grande maioria a arte do benzimento é realizada por mulheres e vale lembra que desde a Idade Média, quando conhecimentos como esses eram visto de forma negativa, o que levou a condenação de muitas mulheres pela Inquisição, acusadas de bruxaria; a imagem negativa vinculada às benzedeiras  ainda existe atualmente, como se quem pudesse ajudar tivesse também o poder de destruir se assim quisesse.

Os pesquisadores do Carta Ilhagrandense conversaram com uma benzedeira, que aceitou colaborar  para esse texto; sobre o preconceito ela diz que: “ Eu não sinto muito preconceito não, mas as pessoas sempre acham que eu posso fazer o mal ou alguma bruxaria, uma vez uma mulher veio aqui dizendo que eu olhei pra planta dela e a planta murchou, eu disse pra ela “olhe minha senhora sua planta morreu foi por falta de cuidado”, isso me deixou chateada, e também gente que chega aqui pedindo pra fazer macumba eu não gosto disso não por que sou católica meus poder vem é de Deus”

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/01/reconhecidas-por-lei-benzedeiras-modernas-resgatam-tradicao-e-rezam-pelo-celular.htm


Antigamente a prática da benzeção era prioritariamente católica, o que restringia o local da prática às Igrejas e santuários por seus sacerdotes, sendo que, mais recentemente, religiões como a umbanda, o candomblé, os pentecostais e o kardecismo começaram a multiplicar as possibilidades de rituais, de significados e de desenvolvimento dessas práticas, desse encontro de diferentes religiões surgiu uma pluralidade de práticas sem que se perdesse a tradição do ritual, atualizando processos que atravessam os tempos.

Mas o conhecimento dos benzimentos está muito mais ligado a conhecimento popular, que é transmitido pela oralidade de pai para filho: o conhecimento das ervas, de oração antigas... tudo repassado pela tradição popular: 

“Minha vó rezava na gente desde pequeno, meu irmão que hoje já e falecido, quando era pequeno  nasceu uma coceira nele e não tinha remédio que acabasse, nessa época tudo difícil, medico difícil, remédio difícil a gente morava lá pelas bandas do Moia, era longe, ai ela que rezou nele seis sexta-feira, olhe na quarta já tudo limpo, ai desde desse tempo tive vontade de aprender e ficava tentando ouvir as palavras que ela dizia. Eu pegava as folha de pião e ficava imitando ela batendo os beiços”

Não diferente de muitas outras práticas tradicionais, que em meio a modernidade tendem a ter dificuldades de perpetuação, o benzimento também passa por esse processo, as benzedeiras geralmente são mulheres mais velhas e com elas se vai a pratica. 

“Eu aprendi com minha vó, minha mãe também rezava mas só menino novo, eu aqui tiro quebrante, mal olhado, o sol da cabeça, benzo os porcos, cavalo, cachorro...mas nem minhas filhas, nem as netas quiseram aprender, aqui pra benzer sou tem eu e a Maria, duas velhas se a gente morrer pronto”.

Trazer ao público este universo da cultura imaterial de nossa sociedade é preservar tradições e práticas que ajudaram a construir o que somos hoje. A sociedade atual e a futura têm direito a que seus valores sejam preservados.  Segundo o IPHAN, “os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares" (IPHAN, 2016). Para a Unesco “ O Patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível compreende as expressões de vida e tradições que comunidades, grupos e indivíduos em todas as partes do mundo recebem de seus ancestrais e passam seus conhecimentos a seus descendentes”(UNESCO, 2016). A pesquisa sobre as benzedeiras procura preservar dados e informações sobre este sujeitos que fazem parte da nossa comunidade.   

No Dicionário do Folclore Brasileiro, organizado por Cascudo (2000), não encontramos os termos benzeção ou benzedor/benzedeira, mas sim, rezador. O autor equipara os termos rezador e benzedor, indicando a possibilidade de serem confundidos. Indivíduo com poder de proteger as pessoas contra as doenças e outros males pela reza. Usa água benta, galhinhos de certas plantas, acende velas enquanto vai rezando, às vezes com expressões ou versos incompreensíveis. Muitas vezes, o rezador é benzedor e curandeiro, recomendando o uso de beberagem, emplastros, purgantes e chás. (CASCUDO, 2000, p. 588)

Eu quando era criança, cresci ouvindo falar de seu Raimundo Rezador, um homem que morava na comunidade em que eu moro, conhecida como fazendinha, seus benzimentos eram conhecidos até por outros estados, vinham pessoas do Maranhão, Ceará, São Paulo... meus irmão eram levados lá pra rezar quando doentes, eu também fui quando criança, sempre ouvir falar dessa pratica dos rezadores. Minha vó me contava uma história que quando eu era um bebê,  me levaram em uma senhora pra fechar  o corpo, era um processo de três sextas feiras de reza, antes de terminar a última sexta-feira, a senhora veio a falecer, e no dia que seria a última sexta-feira de reza, a noite enquanto eu dormia minha vó acordou e viu a imagem da senhora na minha rede me benzendo.

https://www.greenme.com.br/viver/costume-e-sociedade/2517-benzedeiras-rezadeiras-curandeiras-a-cura-pela-natureza-e-pela-fe/


        Trago esse relato pessoal pra mostrar o quanto as pessoas, principalmente mais velhas, tem esse conhecimento como algo muito forte, por que sempre aprendi que nunca se deve quebrar uma corrente de reza de uma rezador e nossa colaboradora fala também sobre isso. 

“ Se começar a fazer o trabalho tem que terminar, tem mãe que traz o menino pra rezar, ele melhora e ela não volta mais, ai o quebrante quando vem é mais forte e dá mais trabalho”.

A pratica do benzimento ainda sobrevive pelo conhecimento de homens e mulheres que dominam esse saber, muitos deles em idade avançada como no caso da nossa colaboradora um senhora de 65 anos. Para eles um dom dado por Deus, no qual se torna uma obrigação exercer, que durante a vida fazem isso de forma prazerosa, mesmo se vendo como veículos para a graça de Deus, contudo ainda sofrem com o preconceito que tem se arraigado na comunidade que os cerca.

 Escrito por: THALITA NASCIMENTO DE SOUZA, Licenciatura Plena em História, pela Universidade Estadual do Piauí.



Ilha Grande - PI, 30 de agosto de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores.
Ao povo.

 

 

IPHAN. Patrimônio Imaterial. Disponível em : http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234. Acessado:11/09/2016.

UNESCO. Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em: http://www.unesco.org/newq pt/brasilia/culture/world-heritage/intangible-heritage/. Acessado em: 20/09/2016.

CASCUDO, Luís da Câmara. DICIONÁRIO do Folclore Brasileiro. 9a Ed. São Paulo: Global, 2000.

domingo, 9 de agosto de 2020

MEIA NOITE NO BECO DA PERNINHA: Um causo do centro da cidade.

 

Quem nunca levou uma carreira de uma alma penada?

Vamos imaginar que as assombrações e mitos da Ilha se dividem em duas categorias: I) as assombrações errantes que andam sem destino e vivem a vaguear, como Lobisomens por exemplo; II) as assombrações fixas, que não se movem; habitando um ponto especifico como uma casa abandonada ou não, um cemitério ou becos e vielas escuras. 

Semana passada aqui no blog, tínhamos um exemplo de uma assombração errante; a Mulher Chorona vagueia e há relatos de aparições por toda a cidade, mas ela mais comum nas antigas áreas rurais como: Tatus, Cal, Baixão, Labino e Urubu. Assim também temos inúmeros relatos de Lobisomens em todos os cantos.


As assombrações fixas, procuram pontos estratégicos como, já citei: casas abandonadas e cemitérios. Creio eu não precisar de fontes para argumentar que, a urbanização e as assombrações estão ligadas por uma proporcionalidade inversa; quero dizer: quanto mais urbanizada é uma cidade, menos assombrações terá. O medo com certeza está ligado ao escuro, à dúvida. Dificilmente teremos relatos de lobisomens em um local iluminado e movimentado dia e noite, já nos interiores ele sairá toda lua cheia. Lendas urbanas como a Loira do Banheiro e o Mostro do Armário são uma especie de, como o próprio nome já sugere, consequência da urbanização. Sacis e Curupiras não se fazem comuns na mitologia atual, mas não me espantaria se ao conversar com pessoas mais velhas e/ou de locais mais periféricos, topasse com relatos dessas criaturas nos cajueirais da Cana Brava e Cutia por exemplo.

Sendo assim, veremos aos poucos e com o passar das gerações, nossos mitos se modificarem e perderem-se, pois ficarão retidos na imaginação de um grupo que viveu na época em que a história era contada. Para que fiquem registrados alguns desses contos, o Carta Ilhagrandense, através do nosso apoiador e colaborador Fabricio Costa, traz hoje A Lenda do Beco da Perninha; uma assombração fixa que, durante 3 décadas, assombrou uma viela que liga a Rua da Gloria e a Av. Martins Ribeiro, maltratando seus transeuntes após a meia noite.

 

A LENDA DO BECO DA PERNINHA

A lenda do beco da perninha é mais uma de varias lendas que existem no imaginário do povo Ilhagrandense, especificamente em uma parte da Rua da Gloria e outra parte da Avenida Martins Ribeiro. Antes de começar a falar da lenda é preciso saber onde fica localizado o Beco da Perninha.

A seta aponta para o Beco da Perninha, na parte superior a Avenida Martins Ribeiro e na parte inferior da seta a Rua da Gloria


O beco que, assim é chamado na cidade de Ilha Grande, é uma pequena via que liga a Rua da Gloria com a Avenida Martins Ribeiro, para muitos também chamado de Beco da Dona Chica Moreira, fica em frente a sede da Associação dos Moradores dos Morros da Mariana. Não se sabe ao certo em que ano a lenda começou a ser contada, porém os relatos começam no final da década de 80 ganhando força nos anos 90 e enfraquecendo em 2000.

O beco, visto da Rua da Gloria para Av. Martins Ribeiro.

O beco, visto da Av. Martins Ribeiro para Rua da Gloria.

A lenda é relatada da seguinte maneira: depois da meia noite, quando alguém passava no beco e chegava na metade do caminho, ouvia-se uns ruídos de galhos quebrando, em seguida algo, um vulto que se parecia com uma perna, aproximava-se e aplicava chutes ou uma rasteira na pessoa que corria levando chutes até o final do caminho. Saindo do Beco da Perninha a perseguição parava.

Muitos relataram ter sido vitimas da Perninha, assim as pessoas: crianças, jovens e adultos evitavam passar no Beco da Perninha até mesmo antes da meia noite; era comum os moradores dar uma volta no quarteirão buscando outros caminhos para não passar pelo beco. A história foi sendo repassada até no começo dos anos 2000, a partir disso ela foi sendo enfraquecida com a urbanização da cidade, o beco que era mais estreito ficou mais largo, a areia deu lugar às pedras de calçamento, os matos foram cortados, o beco ficou iluminado e casas foram construídas. Assim, com o passar do tempo, as pessoas foram perdendo o medo; já que antes o famoso beco era escuro e com matos, e hoje é até bem movimentado.

A Lenda do Beco da Perninha ainda hoje é lembrada nas rodas de conversas dos que vivenciaram o auge da mesma, são as crianças e jovens da época. Hoje com seus 30 à 40 anos, já não causa tanto medo. Como foi dito no começo, essa lenda é mais conhecida em uma parte dos   moradores da Rua da Gloria e Martins Ribeiro.

Francisco Fabricio Pereira da Costa, funcionário público, ilhagrandense, licenciado em história, INTA-FID.


Muitas histórias assim estão guardadas na imaginação popular, conte com a gente para contar a sua. Deixe nos comentários os locais assombrados da cidade que você conhece. 


  Ilha Grande – PI, 09 de agosto de 2020.

Carta Ilhagrandense.

Dos autores ao povo, em especial aos pais.


 

domingo, 2 de agosto de 2020

“Agosto, o mês do desgosto”


Você já ouviu dizer que, agosto não é um mês auspicioso?

No dia 2 de agosto de 1934, há exatos 86 anos, Hitler se tornou líder da Alemanha. Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, Hiroshima e Nagazaki foram destroçadas pelas bombas atômicas, matando de uma só vez o mesmo que a Covid matou no Brasil até agosto de 2020, algo em torno de 90 à 100 mil pessoas. Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, se matou. E em 21 de agosto de 1961 Jânio Quadros renunciou à presidência.

Fatos assim, já aconteceram em outras datas, mas crenças bem mais antigas corroboram para a reputação do mês, por exemplo: no Século 1, os romanos viam a constelação de Leão e acreditavam que era um enorme dragão que estava cuspindo fogo no céu.   A expressão “casar em agosto traz desgosto” que, viria a se tornar “agosto, o mês do desgosto”, ficou famosa em Portugal 14 séculos depois, pois era nesse período (agosto) que as caravelas costumavam sair, e as recém casadas temiam ficar sem seus maridos.

Para esse mês tão cheio de suspeições e crendices, o Carta Ilhagrandense pediu para os colaboradores escreverem sobre as crenças, costumes e superstições da cidade.

Há não muito tempo, a população de Ilha Grande, sem energia elétrica e com ruas de areia branca, sentava-se na frente de casa para conversar durante a noite. Muita coisa era falada, mas as histórias de assombração faziam muitas crianças mijarem nas redes, com medo de ir ao banheiro que, nessa época ficava fora de casa. O tempo passa, mas as histórias continuaram sendo reproduzidas. Agora, Samuel vai nos contar como foi sua experiência com o sobrenatural e você, sinta-se à vontade para deixar seu causo nos comentários dessa postagem.

Nunca fui muito crédulo em achar que o mês de Agosto fosse tão cheio de superstições, porém posso dizer que o caso que pude presenciar aconteceu nesse mês. A mesma descrença que eu tinha do mês de Agosto ser "carregado ", assim também era minha visão acerca do sobrenatural e dos mistérios que pairava sobre esses 31 dias, ou seja, não acreditava em "visagem". O Carta Ilhagrandense, anteriormente, já apresentou em um de seus textos sobre a viagem ao Cutia. Foi em um desses passeios, durante a lua cheia de agosto, que esse episódio que pretendo contar aconteceu. Vamos lá.

 

Toda minha infância foi recheada de estórias de assombrações, fantasmas, monstros, almas penadas (não me perguntem a diferença, eu não sei), que os mais velhos contavam pra encher nossa imaginação de dúvidas ou não, pois alguns acreditavam. De lobisomens à mulher que se transformava em porca, Não-Se-Pode um ser que crescia sem parar a medida que se afastava de nós e muitos outros que perturbavam nossa mente, e em especial a Mulher Chorona, tema do nosso assunto.


As assombrações são externadas de duas formas. Absorvemos crenças de outros lugares e refletimos em um personagem da própria cidade, como apontar fulano ou ciclano como lobisomem, sendo que a crença em homens-lobo aparece em obras de filósofos antigos, como Heródoto (Mula sem cabeça e bruxas estão nessa classe). Ou podemos externar nosso medo em almas não identificadas que fazem parte do folclore, como o Velho do Saco, o Assobiador e o Gritador.   

 

Era Agosto, uma sexta-feira, o primeiro dia de um fim de semana cheio de diversão. Como sempre o dia era repleto de atividades, cada grupo responsabilizava-se pela sua tarefa e as refeições era o que marcava o tempo. O café da manhã já tinha ficado para trás. Depois de uma manhã cheia de trabalho, o almoço era a refeição principal, uma iguaria, até quem não gostava de peixe comia sem resistir. Os olhos brilhavam ao ver borbulhar em um tacho com carás, cajus e uma variedade de temperos. Nossa! E a janta, o tradicionalíssimo "sapeca", era a última refeição do dia.

 

Depois do jantar, todo mundo procurava uma lagoa para banhar, vestia-se roupas adequadas para a noite na beira da praia, o vento frio estava por vir. A noite começa, uns se aquecem ao redor da fogueira enquanto outros se preparam para algazarra e eu nem poderia imaginar que mais tarde seria espectador de um fato inexplicável e depois poderia contar tendo eu, o presenciado.

Todo mundo sabe que, beira de praia é lugar visagento (assombração tem vários nomes em Ilha Grande: visagem, marmota, aparição...).


 

Das 19:00 às 22:00 a criançada, inclusive eu, corria sem cessar, eram várias brincadeiras em uma só noite, esconde-esconde, bandeira, anel de pulo, cai no poço, e outras muitas, mas o importante era não cansar, impossível, alguns ainda na brincadeira baixava suas redes que ficavam dentro do rancho - local onde armavam-se as redes e nos guardavam do "relento" (céu aberto e frio) - e a criança que tinha ficado para procurar as outras sofria para achar quem já estava no segundo sono. Haha a galera era má! Os mais novos já tinham desistido da batalha, ou melhor, da brincadeira. Quando me dei conta apenas eu tinha sobrado.

 

Os mais velhos estavam no "esquema" e como sempre aparecia alguém pra atrapalhar. Esse alguém era eu. Ora, se tratava de pessoas minhas, minhas irmãs, atrapalhava mesmo! Eu chegava de fininho e me infiltrava no meio deles, pois eles não tinham horário para dormir, porém, de vez em quando escutava alguém dizendo: -- "menino, vai dormir" e eu nem "thuiú". No intuito de forçar as últimas crianças a irem deitar, começavam as estórias de assombração e todo mundo sempre tinha alguma para contar, às vezes, inventavam, outros relatavam casos de outras pessoas, mas ninguém saia sem contar um "causo".

 

Nós éramos umas 6 (seis) pessoas na turma que ainda estava fora do rancho. As estórias provocavam em nós uma mistura de muitas coisas: ansiedade, medo, tensão, adrenalina, calafrio, e ora ou outra alguém dizia: "negrada o que é aquilo ali heim? Hahaha, até visões provocava. Já eram meia noite e meia justinho, lembro do meu cunhado dizer isso pra minha irmã e ela responder "1:00 hora vamos entrar pro rancho". Estória vai, estória vem… de repente chega correndo um saliente da turma chamado Splayt. De tanto mentir e de "cara lisa" ninguém acreditava mais nele, mas dava pra perceber um certo espanto em seu rosto, o "filho da mãe" também era um excelente ator, assustado ele falou:- Rocês tão ouvindo isso aí negrada? Então todos pararam e fizeram silêncio para ouvir melhor. Ninguém queria ser o primeiro a dizer que tinha escutado, talvez para não assustar os outros. Eu já tinha escutado, contudo, não ia dizer pra não ser taxado de mentiroso, mas aí não teve jeito! Quando minha irmã mais velha começou a chorar de medo, a galera logo sacou que o lamento da "visagem" já tinha sido percebida por todos.

A Mulher Chorona é uma dessas estórias de assombração que ouvimos ao redor da fogueira. Uma das versões sobre sua origem relata a tragédia de uma mulher rica e gananciosa que, ao perder o marido, perde também sua fortuna e, não suportando a miséria, afogou seus filhos e matou-se, mas retornou para penar por seus crimes. Foi ela que ouvimos naquela noite.


La Llorona (A Chorona) é uma lenda mexicana e talvez seja a fonte da ideia principal para as demais versões. Sua origem é incerta, até porque existem várias. A mais aceita remota o período colonial e é baseada nas crônicas de Bernal Díaz del Castillo, que participou da conquista do Império Mexicano. Diz Bernal Díaz del Castillo que, La Llorona era uma mulher de origem indígena, amante de um cavalheiro espanhol. Quando a jovem lhe pediu para formalizar o relacionamento, ele se recusou, pois pertencia à alta sociedade. Esse, basicamente, foi o estopim que desencadeou a tragédia pela qual sua alma vagaria em tristeza. Ainda de acordo com as crônicas, na noite em que foi rejeitada, La Llorona assassinou seus dois filhos, um menino e uma menina. Após perceber o que havia provocado, emitiu um grito arrepiante. O mesmo que dizem escutar hoje. O mito ganhou até adaptação para o cinema em 2019.

 

O primeiro lamento foi o mais perceptível, todos que estavam na turma escutaram. Era uma espécie de pedido de misericórdia, quando a Mulher Chorona tentava pronunciar algumas palavras, algo como um pedido de socorro, cães, que ninguém sabe de onde saíam, começavam a rosnar e latir, como se impedissem que o pedido fosse completado. Logo em seguida, a "alma" começava a chorar dando a impressão de que estava sendo mordida. Nós nos perguntávamos: "como pode um lugar a uns 8 (oito) km de distâncias da cidade, um local quase inabitado, estar cheio de cães? Ninguém ousava dar explicações. Não sabíamos ao certo de onde vinha, mas estávamos certo que aquilo estava acontecendo e que ela passava logo ali a frente.

 

O segundo choro da assombração estava distante, agora bem menos audível, em questão de segundos tinha percorrido um trecho de mais ou menos um quilômetro. Assustados e atentos, em silêncio estávamos nos preparando para ouvir a terceira súplica. Minha mãe que estava dentro do rancho, mas ainda acordada, ao perceber o choro da minha irmã e o lamento da assombração, saiu para saber o que estava acontecendo e disse:- “vocês não vão entrar não? Passa pra dento todo mundo”. Foi então que percebi que a maioria das crianças estavam aflitas, pois o lamento foi percebido até por quem já estava deitado. Minha mãe tentava acalmar alguns que estavam chorando porque tinham escutado e ficaram com medo.

 

Uma vez me disseram - não lembro quem- que assombração só pode ser vista ou ouvida por uma pessoa. Depois desse fato pensei: " rapaz, eu tive sorte por ter escutado e compartilhado o som de uma "alma". Fiquei com medo no primeiro momento, mas depois senti pena da "chorona", tadinha, nem conseguia pedir misericórdia, talvez seu pecado deva ter sido enorme pra não ser perdoado.

 

Caro leitor, espero que tenha gostado da leitura. Se não acredita, não tem problema porque sua dúvida faz sentido, afinal, se não tivesse acontecido comigo eu também não acreditaria.

SAMUEL RIBEIRO, funcionário publico, ilhagrandense, com formação em Letra Português pela  UESPI- Parnaíba.

  Ilha Grande – PI, 02 de agosto de 2020.

Carta Ilhagrandense.

Dos autores ao povo.


Leia também sobre a origem do Gritador e os degolados na Revolução Federalista.



E entenda a relação do Velho do Saco e o trafico infantil.