domingo, 23 de fevereiro de 2020

Sobre a divisão do território.





II- O processo de divisão da Ilha.


1. Vista da Ilha Grande de Santa Isabel do topo da Ponte Simplício Dias.

    Amigo leitor, começaremos com um exercício mental; imagine-se na parte mais alta da ponte Simplício Dias de costas para Parnaíba, lembre-se de todo aquele mundo verde à sua frente. Caso nunca tenha parado para especular a bela ilha, sugerimos que da próxima vez que fizer essa travessia, você pause os olhos na paisagem. A ponte liga a cidade de Parnaíba à maior ilha de um conjunto com mais de 70, que formam o único delta em mar aberto das Américas[1], o nome desse pedaço de chão desmembrado do continente é Ilha Grande de Santa Isabel, o que pode lhe parecer confuso, visto que essa ilha abriga hoje um bairro de Parnaíba que é batizado com mesmo nome (Ilha Grande de Santa Isabel) e uma cidade com um nome parecido (Ilha Grande). O conteúdo desse texto nos remete a um período antes dessa subdivisão, nosso objetivo é explicar o motivo dessa bagunça.

    “O progresso desperta em teu porvir...”, esse trecho retirado da terceira estrofe do hino da cidade de Ilha Grande do Piauí, mostra o maior desejo dos que acreditavam no processo emancipatório dessa região como forma de melhorar a qualidade de vida dos que ali viviam.

    Como foi comentado no texto anterior, a Ilha (como um todo) via as luzes do progresso apenas como desejo distante. A área excluída e desprovida de políticas públicas como já citado, era visada somente em tempos de eleição, esse fato fica claro no trecho do Jornal Inovação de 1979 que dizia: “A Ilha Grande de Santa Izabel é formada de diversas  carentes e marginalizadas, dentre elas situa-se o Morros da Mariana a mais ampla. Seu povo na maioria é gente humilde. Na hora do voto suas urnas têm decidido a parada”, mostrava como a região funcionava como curral eleitoral e era decisiva nas eleições parnaibanas.

    Com a falha da administração de Parnaíba, não era de se estranhar que as lideranças do movimento de emancipação ganhassem força com apoio popular. De início o desejo era a emancipação de toda a Ilha, porém este não se realizou, e você caro leitor já se perguntou por qual motivo não houve uma emancipação total?

    Pois bem, hoje sabemos que a ilha foi dividida com sua cidade "Mãe", divisão muito mais política que territorial, pois antes de emancipada os políticos que possuíam grande influência por deterem grandes porções de terra, se aproveitavam da falta de informação do povo, para obter grande parte dos votos. Como Ilha Grande de Santa Isabel possuía significativa população e sabendo que: ter território é ter poder, principalmente político e econômico, a emancipação total implicaria na perda desse eleitorado, que poderia acarretar muitas mudanças na vida política da cidade de Parnaíba, esse talvez tenha sido um dos motivos para essa divisão tão mal feita. Outro motivo também de natureza econômica, foi a briga por nosso litoral, Parnaíba como uma criança birrenta bateu pé que não abriria mão da única praia que até então pertencia a eles.

    Em agosto de 1993 o Jornal Diário do Povo lança uma nota sobre a aprovação do plebiscito pelo IBGE, passo importante para a emancipação da cidade, ainda nesse texto o jornal enfatiza a questão territorial: "O assunto, entretanto, serviu para reacender uma velha disputa entre Fonteles (PT) e o deputado João Silva Neto (PMDB) que é de Parnaíba e já insurgiu contra a iniciativa. Ele disse que até já aceita que o povoado seja emancipado, entretanto, se o limite para a divisão for apenas o rio, fica difícil uma conciliação". Essa colocação nos aponta uma briga política acerca do nosso território, porém uma questão que sempre aparece é a praia, ainda na mesma matéria, João Silva Neto fala que: "Parnaíba tem apenas 14 quilômetros de praia e os Parnaibanos não querem perder a única que tem em sua área", frase parecida com a usada por Francisco de Assis de Moraes Souza (Mão Santa), para justificar o Projeto de Lei que em 1992 elevou os Morros da Mariana a bairro de Parnaíba. Já prevendo o que estava por vir, Mão Santa dizia: "Senhores vereadores diante dos comentários que uma minoria deseja e defende e emancipação política e administrativa do povoado Morros da Mariana, cabe ao poder municipal tanto executivo como legislativo unir esforços, num dever patriótico de adotarem medidas de preservação da integridade física e territorial de Parnaíba [...] Considerando a desfiguração da perspectiva turística  de Parnaíba com a perca do nosso litoral em 12 quilômetros  já inferiorizado do município  vizinho  Luis Correia de 54 quilômetros de praia.

    Percebemos que a perda da nossa praia se deu muito mais por uma questão política e ego. Nossa cidade "Mãe" sempre temerosa por sua inferiorização, além de todo crescimento da exploração do turismo da região, algo que pesou muito, pois na época Pedra do Sal embora pobre em estrutura, já era visada como atrativo turístico e na decisão de tornar Ilha Grande independente isso foi importante. A negociação mas se pareceu uma troca, "A praia e um pedaço da Ilha, pela Emancipação Política", mas um fato considerável é que a praia Pedra do Sal embora oficialmente "pertença" a cidade de Parnaíba, tem uma ligação com ilhagrandense que vai além de qualquer divisão territorial imaginaria.


2. Título da matéria do Jornal Diário do Povo sobre aprovação do plebiscito.


    Em 04 de Setembro de 1993 Padre Pedro Quiriti, após a nota no Jornal Diário do Povo sobre o plebiscito, em carta para o deputado João Silva Neto (PMDB), enfatiza a importância da permanência do território como todo, transmitindo uma preocupação da população que pedia pela emancipação, diz: "Sei que V. Excia Já é conhecedor destes anseios de emancipação através do projeto e solicitação debatida nesta assembleia legislativa, sendo inclusive publicada no Jornal "Diário do Povo" a aprovação do IBGE para o plebiscito a ser realizado na Ilha. Asseguro no entanto que a "unidade geográfica" é uma questão fundamental para o bom andamento da emancipação, até por que o povo da Ilha tem uma só tendência, um só sentimento e os problemas existentes são comum a todos, havendo, portanto, em seu sangue uma raiz comum". Alguns podem até dizer que essa raiz não era tão comum, mas uma coisa o padre tinha razão, a ilha tinha problemas que eram compartilhados em todos os cantos  e que até hoje podem ser vistos em bairros do lado de cá da ponte que pertencem a Parnaíba, em comunidades como Alto do Batista,  Boa Vista e a tão cobiçada Pedra do Sal. Ainda nos dias atuais esses bairros sofrem com a falta do abastecimento de água, coleta de lixo e péssimas condições da estrada, problemas que eram apresentados no povoado Morros da Mariana antes da emancipação política. Então Ilhagrandense, já se perguntou como estaria nosso município se ainda fossemos um bairro de Parnaíba?

    Pouco depois de dois anos de emancipação do município e um dia antes da primeira disputa eleitoral da nova cidade, o Jornal Meio Norte de outubro de 1996, apresenta um pequeno artigo intitulado: “Ilha Grande, cidade que parece bairro”  falando sobre a situação da cidade pós emancipação e mostra também o descontentamento do Padre em relação a divisão: " Há quinze anos trabalhando no lugar, o Padre deplora a divisão territorial feita por sugestão do deputado João Silva Neto, "Os políticos dividiram a ilha estupidamente, como se fatia um salame de forma errada. O povoado Labino foi dividido ao meio e lá existem casas que ficam metade no município de Parnaíba e outra metade em Ilha Grande””.

    E sobre a perda da praia, o jornal diz: "Ilha grande, apesar do nome é uma cidade sem praia" de fato, perdemos nossa praia para cidade de Parnaíba, tendo nossa ilha dívida, não pela força da natureza, mas pela força dos interesses dos políticos, que pouco olham para região, esse debate ainda é muito fresco na cabeça do ilhéu, principalmente no que diz respeito a questão da praia Pedra do sal, mas não poderia ser diferente, como uma ilha fica sem sua praia? Coisas que só acontecem por aqui!  Hoje a Pedral[2] sofre com o descaso do poder público e é explorada por empresas internacionais, mas para quem mora na Ilha ela  é um pedaço de uma maravilha linda, com seus tesouros escondidos no farol... Pedra do Sal nos pertence, assim como nós pertencemos a ela.







Ilha Grande – PI, 23 de fevereiro de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores ao povo.

3. Vista aérea do Rio Igaraçu, braço do Rio Parnaíba que divide o município de Parnaíba e a Ilha Grande de Santa Isabel. A direta da foto pode-se ver o final da Av. Presidente Getúlio Vargas ainda sem a ponte, que só seria construída 40 anos depois.

3. Matéria do Jornal Diário do Povo sobre aprovação do plebiscito ilustrado com a foto de Nazareno Fonteles. 

4. Mapa da cidade de Ilha Grande do Piauí.

5. Recorte de Jornal Meio Norte fazendo critica a emancipação.



Continua...
6. Carta do Padre Pedro Quiriti ao Deputado João Silva Neto.


7. Protesto de moradores do Povoado Alto do Batista na parte da Ilha Grande de Santa Isabel que pertence a Parnaíba, janeiro de 2020, blog do B Silva.





[1] Localizado na zona costeira brasileira, o Delta do Rio Parnaíba é formado por cinco barras: Igaraçu, Canárias, Caju, Melancieira e Tutóia.
[2] Tanto o ilhagrandese como o parnaibano costumam abreviar o nome Pedra do Sal, se referindo a praia somente com o apelido Pedral.

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