domingo, 9 de fevereiro de 2020

Sobre a emancipação

A EMANCIPAÇÃO ILHAGRANDENSE: uma ilha dentro da Ilha.

I – O brado de Isabel e Mariana.

             
              1. Movimento Pró Emancipação de 1993. (Arquivo pessoal Magno Brito).

Alguns poucos dias depois do ano novo, é chegado mais uma Primavera, Ilha Grande completou no dia 26 de Janeiro, 26 anos. Uma jovem cidade … ou seria uma cidade jovem? Seja como for, como se deu o processo de emancipação ilhagrandense? Como que o antigo Morros da Mariana, famoso povoado do município de Parnaíba[1] ganhou o status de cidade?

 Caro leitor, vamos nos sentar que a história é longa. Como dissemos anteriormente, Morros da Mariana e os demais bairros que hoje compõem o município de Ilha Grande do Piauí, eram no passado, simples povoados de Parnaíba que juntos formavam segundo jornais dos anos 70, “o maior celeiro econômico do município” (Folha do Litoral. 26/02/1975).  

No passado, o Mercado Central de Parnaíba[2] e outros pequenos mercados vizinhos eram abastecidos de arroz, frutas, verduras, legumes diversos, etc (Jornal Norte do Piauí. 4,5/11/1978, p.1) por homens e mulheres que saiam de suas casas na Ilha, antes do cantar do galo e rumavam numa desgastante caminhada na areia fofa, barro ou lama dependendo da estação do ano, até a beira do rio do lado de cá da ponte[3], então atravessavam o Rio Igaraçu em canoas ou balsas até finalmente chegarem ao centro.  As coisas melhoraram um pouco na primeira metade da década de 70, com a construção da estrada Morros/Parnaíba em 1972 e da ponte Simplício Dias em 1975. Apesar dessas sensíveis melhorias, os povoados e os ilhéus eram esquecidos pelo poder municipal. Pescadores, lavradores, marisqueiras, catadores de caranguejo, comerciantes, demais trabalhadores e estudantes eram visitados somente nos períodos eleitorais pelos vereadores. As ruas arenosas, a inexistência de água encanada, de energia elétrica e a falta de atendimento à saúde, era uma realidade desse povo que vivia à luz de lamparinas e bebiam água retirada das cacimbas.

Historicamente, os Morros agia como centro da Ilha e tinha um expressivo número de habitantes. Nos anos 1980, “13,26%”( Jornal Inovação. ??/03-04/1985,p. 4) do contingente populacional de Parnaíba, morava nos Morros, o número de votantes também era bastante expressivo e muitas vezes refletia nas eleições locais. Os jornais desse período afirmavam que “na hora do voto, suas urnas [da Ilha] têm decidido a parada” (Inovação. 01/07/1984.p.7).

Após anos de desleixo por parte do poder público, a população que sempre exigiu melhorias e uma vida mais digna, começou a se organizar politicamente no final da década de 80. Os cidadãos juntamente com padre Pedro Quiriti[4], pároco nesse momento, uniram-se para reivindicar a autonomia política dos povoados da outra margem do Igaraçu. No ano de 1991, houve um comício do Partido dos Trabalhadores (PT) nos Morros. Nazareno Fonteles, candidato a deputado pelo referido partido, foi procurado pela comissão de moradores do lugar, auxiliados por Padre Pedro. Durante o evento, o político recebeu da Comissão Pro Emancipação Política do Município, a seguinte demanda: apoiar e viabilizar a criação da cidade de Ilha Grande do Piauí.

 Devemos frisar que a luta pela emancipação e sua vitória, não foi do dia para a noite e nem ocorreu sem entraves ou oposições. Deputados estaduais de Parnaíba eram contrários, bem como alguns moradores que faziam parte do “Grupo do Não” (grupo contrário ao movimento), revelando portanto uma pluralidade de opiniões. Em Carta à Assembleia Legislativa do Piauí, foi documentado que os deputados, Francisco de Assis de Moraes Sousa (Mão Santa)[5], que na época era prefeito de Parnaíba, e João Silva Neto[6], não viam com bons olhos a ideia. Cada um deles tinha uma motivação individual: Morais Sousa “porque detém o mando do poder na cidade de Parnaíba”(Carta à Assembleia Legislativa, 1992), e Silva Neto não queria “perder seu pretenso ‘curral eleitoral’”(Carta à Assembleia Legislativa, 1992), este último ainda, afirmava apoiar a campanha, desde que “seja excluída a área correspondente à Pedra do Sal”(Carta à Assembleia Legislativa, 1992), já os moradores opositores alegavam que o lugar não tinha condições para ser autônomo de Parnaíba. Pode-se ver portanto, as ambições pessoais acima das questões do bem comum, já que o conjunto de povoados atendia todas as exigências que a constituição de 1988 e suas emendas citavam, como por exemplo ter no mínimo 4.000 habitantes.

Deste modo, possivelmente, Mão Santa (PDS) a fim de evitar a separação do município, assinou o projeto de lei n. 2145/92 que transformava o povoado Morros da Mariana em bairro, compreendendo-o dentro da zona urbana. N’uma mensagem do prefeito aos vereadores, o intendente municipal apresentava as vantagens desse novo status conferido ao povoado, segundo o documento, “Morros da Mariana receberá maior atenção do poder público, acolhendo maciços investimentos nas áreas de educação, saúde, transportes” (Mensagem aos vereadores de Parnaíba, 1992). O movimento do prefeito parnaibano portanto, dava a entender que tinha o intuito de causar relativa autonomia e importância ao lugar.

Podemos ler esse decreto como uma tentativa de conter o movimento em prol da emancipação da Ilha. Fazemos essa constatação ao lermos uma fala do prefeito no qual afirmava que cabia “unir esforços, num dever patriótico, de adotarmos medidas de preservação da integridade física territorial de Parnaíba”(Mensagem aos vereadores de Parnaíba, 1992). Pode-se perceber que a questão não era social, isto é, o que importava não era o bem estar dos cidadãos da Ilha, mas sim, a fragmentação do território de Parnaíba que desde os anos 1950 vinha sendo dividida em novos municípios, perder Ilha Grande era portanto, uma derrota para Parnaíba, a “cidade invicta”. Lendo ainda essa mensagem, o prefeito sustentava que era imperioso manter a integridade territorial, “considerando a desfiguração da perspectiva turística de Parnaíba com a perda do nosso litoral de 12 quilômetros, já inferiorizado ao município vizinho de Luís Correia de 54 quilômetros de praia”(Mensagem aos vereadores de Parnaíba, 1992). Vemos de forma documentada uma das primeiras vezes em que o poder municipal parnaibano, usa a possível perda da faixa litorânea como desculpa para impedir a emancipação, todavia, isso ficará para outro momento, continuemos com nossa história. 

Apesar do decreto, a comissão não ficou satisfeita e prosseguiu com a campanha e com sua luta. No intuito de atender mais uma das exigência para dar prosseguimento ao processo, foi feito ainda em 1992, um Memorial Descritivo detalhando todos os pontos sociais, econômicos e políticos, bem como a estrutura de serviços que existia a fim de atender as necessidades do futuro município. O documento era finalizado com uma mensagem sublinhando possuir garantias de sua autonomia: os Morros, “é hoje uma comunidade organizada e procura sempre manter este padrão, pela importância que em cada região deve ter no se assumir a responsabilidade da cidadania e por conseguinte, sua emancipação política” (Memorial Descritivo, 1992, p. 2).  Em 1993 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, “deu parecer favorável ao pedido do deputado Nazareno Fonteles (PT) para a realização de uma consulta plebiscitária no povoado Morros da Mariana, em Parnaíba, a fim de confirmar se a população quer ou não sua emancipação política” (Diário do Povo. 04/08/1993, p.1). Se o povo é soberano, nada mais justo que ele mesmo escolha os caminhos que devam ser tomados, por isso a importância do plebiscito e da participação popular.

No dia 12 de Dezembro de 1993, um domingo, homens e mulheres, jovens e adultos, saíram de suas casas e foram às urnas assinalar sua opinião. Eram 2.210 votantes e destes, 1.550 votaram sim, ou seja, 70% do eleitorado era a favor da emancipação política, menos de 25% foi contra, enquanto que aproximadamente 5% votou em branco ou anulou o voto. Essa data foi proclamada como o “Dia do Sim”, marcando dessa forma, uma vitória da mobilização popular que há anos reivindicava direitos e melhorias para suas comunidades. No dia 26 de janeiro de 1994, no Palácio do Pirajá, em Teresina, o governador do estado, Antônio de Almendra Freitas Neto, assinou a lei nº 4.680, que criava vários municípios no Piauí, dentre eles, Ilha Grande.



                    
            2. O então Prefeito de Parnaíba José Hamilton Castello Branco apontando para o nome de Ilha Grande no dia da sanção  da lei de emancipação. (Arquivo pessoal Magno Brito).

Apesar do “sim”, a Ilha levaria ainda três anos para que tivesse seu primeiro prefeito. Devido ter sido criada em ano não eleitoral, somente em 1996 é que os ilhagrandenses escolheriam o intendente, nesse intervalo, partidos políticos e possíveis candidatos se organizavam já em vistas do pleito municipal. As cortinas se fecham para os segundo ato, o palco da política em poucos minutos será novamente ocupado, enquanto isso, nos camarins, o elenco, isto é, o povo, políticos, partidos e instituições se aprontam para as próximas cenas. 













Ilha Grande – PI, 09 de fevereiro de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores ao povo.





DOCUMENTOS CEDIDOS PELA PAROQUIA DE NOSSA SENHORA    DA CONCEIÇÃO AOS PESQUISADORES DO CARTA ILHAGRANDENSE.


      Manifesto entregue pela Comissão Pro Emancipação aos deputados que participaram do comício do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1991.



Continua...


Carta do assessor Marcos Vínicius listando os documentos exigidos para a viabilização do processo de emancipação.


Lei assinada por Francisco de Assis de Moraes Souza (Mão Santa) nomeando como bairro o até então povoado Morros da Mariana.

Continua ...

Mensagem do Prefeito Mão Santa aos vereadores justificando o Projeto de Lei 2145/92 mencionado a cima.


                                                                        Continua ...

Memorial Descritivo feito pela Comissão Pro Emancipação.


Frente do panfleto explicando sobre o plebiscito para emancipação.


Verso do panfleto explicando sobre o plebiscito para emancipação.


Anotações encontradas sobre o resultado do Plebiscito Emancipatório nos documentos da Paroquia de Nossa Senhora da Conceição em Ilha Grande do Piauí.



[1] Os Morros eram um lugar em que vários parnaibanos vinham passar uma temporada de descanso. Humberto de Campos, membro da Academia Brasileira de Letras, em 1897 passou um pouco mais de seis meses no antigo arraial de pescadores. Conferir. CAMPOS, Humberto. Morros in Memórias. Opus Editora 1983, p. 223 – 229.   
[2] Atualmente esse mercado fica entre a Praça dos Poetas e a Praça Coronel Jonas, abrigando diversos estabelecimentos comerciais no centro de Parnaíba.
[3] Os autores convidam o leitor não morador da Ilha, a imaginar-se ilhéu e descobrir dizeres que este povo carrega.
[4] Padre de origem italiana, sua chegada no começo dos anos 80 foi marcada por profundas mudanças, como a fundação da paroquia de Nossa Senhora da Conceição em 1985 e a construção do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Pobres em 1989.
[5] Político que aos 77 anos de idade, exerce seu segundo mandato como prefeito na cidade de Parnaíba. Seu primeiro mandato de 1º de janeiro de 1989 até 31 de dezembro de 1992 coincide com o período das ações pro emancipação.
[6]  Irmão de Herbert Silva atual prefeito de Ilha Grande, exerceu dentre vários cargos políticos, o de Deputado estadual do Piauí entre os anos de 1987 e 1995.

4 comentários:

  1. Parabéns aos idealizadores, estávamos realmente precisando de algo assim. Já estou ansioso pelas próximas...

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    1. Obrigado, tentaremos manter a frequenfre de publicações de 15 em 15 dias.

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  2. Sempre muito bom ler os textos de vocês.

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  3. Não adiantou de nada, infelizmente continua um lugar dependente de Parnaíba em todos os sentidos.

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