segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Brincadeiras Esquecidas no Tempo.

     

Crianças descendo o morro branco de capemba.


Antigamente as crianças não tinham tantos brinquedos como as de hoje e, por isso, tinham que usar mais a criatividade para criá-los e para as brincadeiras. A tecnologia está cada vez mais tomando o tempo e a infância das crianças, passam a maioria do tempo em frente à TV, computador ou via redes sociais. E por isso, com esses novos entretenimentos, as antigas brincadeiras estão cada vez mais esquecidas. Quem tem mais de 20 anos de idade sabe bem o que é juntar a turma da rua, da escola para pular amarelinha, jogar pião, queimada, disputar uma partida de peteca ou mesmo de futebol, esconde-esconde, polícia-ladrão, pular elástico, brincar de Maria tubana, pega-pega conhecido popularmente por nós como “mancha” e tantas outras brincadeiras que fizeram parte da formação de tantas gerações.

Aos poucos, porém, essas brincadeiras de rua foram sendo esquecidas pela garotada. Antigamente, nos divertíamos em espaços públicos e em convivência com várias crianças. Brincadeiras na rua ou no quintal de casa juntos aos amigos, essa era a verdadeira essência daquele tempo. Brincar até escurecer ou como dizia minha avó “até a boca da noite” e só entrar para casa quando nossos pais chamassem com uma chinela na mão e tentávamos ser mais velozes que a chinela voando. Eram brincadeiras simples, mas muito divertidas.

O que mais vemos hoje em dia são crianças trancadas dentro de casa, em frente a computadores, videogames e televisores. Jamais saberão o quão era divertido nos juntarmos ao meio dia para brincar de comidinha e olha que era comida de verdade, pegávamos as panelas que nossas mães não queriam e cada um trazia uma comida que tivesse em casa para ser nosso almoço/lanche. Em seguida uma criança “sortuda” era escolhida para fazer o fogo, pois nossas comidas eram feitas na hora e com gostinho de fumaça, e sempre tinha aquela pessoa que queria ser a mãe dos outros, pois ficava apenas dando ordens para o que tinha que ser feito. E nessa brincadeira cada um tinha sua função, algumas eram cozinheiras, outras arrumavam o espaço onde iríamos comer, e tinha aquelas espertinhas que ficavam só esperando tudo ficar pronto. Logo após começava comilança, em volta de uma mesa ou até mesmo no chão, cada uma se servia, mas tinha que ser democrática, pois todas tinham que comer. E pense em uma comida gostosa, nem sei se era a fome ou era gostosa de verdade. E logo após, todo mundo com o “bucho” cheio, era a hora de conversar sobre o que iríamos fazer no restante do dia. E só esperávamos a comida fazer digestão para nos lançarmos em outras brincadeiras. 



 Uma das mais famosas era “pular elástico”, no qual era uma competição acirrada para ver quem era a melhor. Naquela época como não tínhamos dinheiro para comprar elástico, tínhamos que nos virar, pois a brincadeira não podia parar por esse simples fato, então era aí que tínhamos a ideia de pegar algumas roupas velhas e cortar e fazer o nosso próprio elástico. Essa brincadeira vai ficando mais difícil conforme sobe a altura do elástico, que começa nos calcanhares e vai até o pescoço. É brincada com dois pares de crianças, e nessa hora cada uma já tinha sua dupla formada e a competição ficava ainda mais acirrada, pois levávamos muito a sério e ninguém queria perder. Pode pular com os dois pés em cima do elástico, com os dois pés fora dele, saltar com um pé só e depois com o outro. E quando a dupla errava, trocava de posição com a outra dupla que estava segurando o elástico. Tinha dias que a confusão era feita, pois ninguém queria perder, e aí que estava o problema, sempre havia as “trapaceiras” que enganavam as mais bestas, e as vezes no final tinha criança que saia chorando, xingando e jurando que nunca mais pisava na casa da amiga, mas “culumim” é bicho besta, no outro dia já estava lá com a cara mais limpa como se nada tivesse acontecido.



 Outra doce lembrança da infância era os famosos banhos nos rios e lagoas. Quem nunca saiu escondido para ir nesses lugares que atire a primeira pedra, la a brincadeira era garantida, fazíamos as brigas de galo (um em cima do ombro do outro e a disputa era em dupla para ver quem derrubava um ao outro primeiro) e levávamos muito a sério essa competição. Também tinha o famoso esporte “natação” que era uma competição para ver quem chegava de uma margem do rio a outra, tinha uns que eram os verdadeiros César Cielo e outros que desistiam no meio do caminho, e ninguém ganhava nada com isso, apenas o gostinho de ficar se exibindo para os demais como ganhador. E os esportes não paravam por aí, afinal erámos atletas e nem sabíamos, tinham os saltos ornamentais, mas esses saltos eram diferentes, nos “atrepávamos” em árvores que tinham perto dos rios/lagoas e nos atirávamos como se não houvesse o amanhã, lá do galho mais alto, coitado daquele que caia de peito na água, esse aí estava ferrado! É nessas horas que acredito que tínhamos um anjo protetor. E quando a maré estava seca e não podíamos tomar banho, a viagem não poderia ser perdida, então íamos caçar “aratu” (uma espécie de caranguejo) e era uma briga feia entre o bicho e as crianças. Quando voltávamos desses banhos eram com os dedos tudo enrugados e tremendo de frio, uma fome danada e comendo tudo que víamos pela frente ou melhor dizendo tudo que víamos nas árvores, e também pensávamos na “pisa” que iríamos levar, mas mesmo assim o sorriso continuava no rosto.



E as brincadeiras não paravam por aí, pois o “culumim” raiz não se cansava nunca, passávamos   o dia brincando no meio do sol quente de macaco-atrepado, esconde-esconde e da mancha pelos cajueiros, morros e ruas. E para aqueles dessa nova geração vamos explicar um pouco em que consistia essas brincadeiras. A  brincadeira Macaco-Atrepado funcionava assim: primeiro começava com todos no chão, era escolhido um pegador e nesse momento “pernas para que te quero”, todo mundo tinha que correr o mais rápido possível e escolher uma árvore ou algo que pudesse ficar “atrepado”, pois aquele que não conseguisse subir em algo era pego e começaria outra rodada. A outra brincadeira era o esconde-esconde, talvez essa brincadeira não tenha mudado tanto hoje em dia e todos ainda brinquem: ela consistia em escolher quem seria a pessoa responsável por contar até o número definido, enquanto as demais se escondiam (todo mundo que contava ficava com tanta pressa, que nunca pronunciava trinta-e-um, mas sim,” 1, 2,3... T1)eee...lá vou eu! Depois desse grito, era tentar esconder-se o mais rápido possível para que o pegador não conseguisse ver nem o seu vulto, mas para isso tínhamos que ter “sebo nas canelas” e "dá na carreira”.  Quem estava escondido tentava bater "1,2,3 salve eu" no lugar indicado e, quem estava tentando achar as pessoas batia o nome delas neste mesmo local.
O primeiro a ser "achado" era quem contava na próxima, a não ser que um benfeitor (o último a sair do esconderijo) conseguisse bater o famoso “1,2,3 salve todos”. E a outra brincadeira é a Mancha que também tinha um pegador que saia feito doido atrás das crianças e também tinha um local fixo para que pudéssemos sermos salvos, quem não conseguisse chegar no local sem ser pego viraria o próximo pegador.


E todas essas brincadeiras tinham regras que eram sempre seguidas, entre elas temos a de decidir na sorte quem iria ficar para ser o pegador através do zerinho ou um, par/ímpar e também decidíamos que aquele que fosse novato no grupo seria o primeiro pegador da rodada. Tinha um lugar fixo para onde deveríamos correr no início e no final das brincadeiras e esse lugar era decidido antes das brincadeiras começarem para não ter confusão depois. Quando estávamos muito cansados e queríamos dar uma pausa, mas sem sair da brincadeira tínhamos que falar a seguinte frase:” cruz, cruz! Quem me pegar matou Jesus. Colher de pau, colher de ferro quem me pegar vai para o inferno!” E a partir desse momento ninguém mais pegava o indivíduo que falou isso. Tinha também os famosos “café-com-leite” que eram as crianças menores que não tinha “carreira” suficiente para entrar na brincadeira, ficavam lá só como “enfeites”.  E nessas brincadeiras tínhamos que sermos muito velozes, pois qualquer vacilo erámos pegos e aí já era, fim da linha. Também tinha a brincadeira da “Maria Tubana” que consistia em cavar um buraco bem fundo, mas bem fundo mesmo e enterrar as pernas nesse buraco, a ponto de ser um sacrífico desenterra-las. E cantávamos a seguinte música “dona Maria Tubana que passou pela minha porta, me jogou uma cabra morta, jigue, jigue, jigue lé, puxe lá pelo seu pé”. Nesse momento enquanto catávamos a música apontávamos para as pernas dos participantes, onde a música parasse na perna apontada, tinha que retirar ela do buraco, e aí era onde estava a diversão, pois a criança puxava, desenterrava mas a perna não saia por nada, e todos tinham que ajudar a retirar a perna do buraco. 



Certa vez, enquanto brincávamos de “dona Maria Tubana”, cavamos um buraco tão fundo e colocamos nossas pernas para brincarmos, nesse momento ninguém estava conseguindo tirar as pernas, pois realmente o buraco foi fundo. E estávamos achando aquilo uma diversão total. Quando de repente ouvimos um mugido, aí vocês já podem imaginar o desespero da criançada, era menino puxando a perna para um lado e para outro, outros gritando e chorando, pois tinha uma vaca se aproximando e nossas pernas ainda continuavam presas, algumas conseguiram sair, outras ficaram lá abrindo o “berreiro”. Foi uma gritaria total, mas no fim a pobre vaquinha só queria seguir o seu caminho. Desse dia em diante nunca mais cavamos um buraco tão fundo.

E quando chegava à noite, os pais achavam que iríamos descansar, mas que nada! Saíamos para brincar na rua, da famosa brincadeira de polícia e ladrão, coisa que criança sempre gostou foi de interpretar personagens.
Por isso, essa era uma das brincadeiras mais famosas pelos bairros.
Fácil de brincar, precisava apenas das pessoas e de um local específico para ser a "cadeia". Uma parte do pessoal fingia ser polícia, a outra ladrões. A partir daí, a festa acontecia. Os ladrões tinham que correr da polícia e a polícia, logicamente, tinha que prender todos. E essa brincadeira ia longe, pois tinha gente que levava muito a sério e ia se esconder em outros bairros para que não fosse pego. As vezes a brincadeira terminava e o “meliante” não era pego. Nesse momento tirávamos coragem não sei de onde, pois os “culumins” eram bichos corajosos.


    Tinha noites que as crianças estavam muito “enfadadas” do sol e de passar o dia brincando, que as brincadeiras eram mais “leves” como o boca de forno, onde tinha um senhor que tínhamos que fazer tudo o que ele mandasse, caso contrário levávamos “bolo” (uma grande chinelada na mão) para aquele que não cumprisse as ordens. Primeiro passo, era escolher uma pessoa para ser “o senhor”, esta pessoa iria dar as ordens na brincadeira, os demais participantes tinham apenas que cumprir suas ordens. E quem não lembra desse famoso jargão:

Senhor: – Boca de Forno!

Crianças: – Forno.

Senhor: – Faz o que eu mandar?

Crianças: – Faço.

Senhor: – Se não fizer?

Crianças: – Toma bolo.

Então o “Senhor” pedia para que as crianças pegassem um objeto. A ordem consiste em achar um determinado objeto, caso a criança não conseguisse encontrar e trazer o objeto pedido, ela levava um bolo.




 E quando queríamos paquerar, inventávamos de brincar do cai no poço, chamávamos os meninos que estávamos a fim, mas antes disso combinávamos que quando fosse a nossa vez a pessoa que iria ser o condutor da brincadeira iria nos avisar através de um sinal, quando tivesse perto de chegar no nosso “crush”. Então, era separado de um lado meninos e do outro meninas. A pessoa que iria ser conduzida tinha os olhos tampados, por isso era importante o condutor nos avisar quando estivesse perto do menino que gostávamos.  E a brincadeira tinha o seguinte bordão: “cai no poço, caroço. Quem me tira? Meu bem. Um beijo, abraço ou aperto de mão?” o condutor iria apontando para os participantes e dizendo: “é este? é este?..”e a pessoa iria respondendo sim ou não. Nesse momento o coração gelava, pois nosso sonho de beijar o menino que queríamos iria se realizar, e todos ficavam na expectativa dizendo: “beija, beija”. E assim surgia as paqueras e os namoros daquela época.
E depois de tudo isso sentávamos em frente ao “terreiro” para escutar as histórias dos mais velhos das quais eram histórias de terror ou de suas aventuras de pescarias. Nesse momento os “culumins“ já estavam tão cansados que dormiam na areia ou no colo dos pais. No outro dia nem sabíamos como fomos parar em nossas redes.

São tantas brincadeiras, tantas lembranças que poderia passar o dia inteiro escrevendo. Oh! Quantas saudades tenho.
Se eu tivesse um desejo queria voltar ao tempo e reviver tudo outra vez, brincadeiras, amizades e o principal, sem a maldade das pessoas para com as crianças, pois são os seres mais inocentes, frágeis e que só querem amor e carinho. E para a sociedade, diria: parem de erótizar a infância, deixem as crianças serem crianças. E que a infância é uma fase que passa muito rápido e precisa ser vivida com toda intensidade, sem a maldade dos adultos. E deixem as crianças serem felizes como erámos no passado. E para as crianças, diria: Brinquem, mas brinquem muito para que no futuro vocês possam está contando as memórias as outras gerações e revivendo tudo isso com um sorriso estampado e a felicidade no peito.

Escrito por: YASMIM DE SOUZA SILVA, ilhagrandense, formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí - Parnaíba, Especialista em Educação Especial e AEE. 


Ilha Grande - PI, 12 de outubro de 2020
Carta Ilhagrandense.
Dos Autores.
Às crianças.

Um comentário:

  1. A canção nos conduz a nostalgia: "Acorda, criançada, tá na hora da gente brincar (oba!)
    Brincar de pique-esconde, pique-cola e de pique-tá, tá, tá, tá..." (Brincadeira de Criança - Molejo)

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