sexta-feira, 12 de junho de 2020

Por um São João sem aglomerações e fumaça.



 Em toda festa de São João
Tem fogueira e tem baião
No arraiá muito quentão
sanfona não para não.

 

Se você leu o texto a cima cantarolando, significa que está imerso na cultura junina como um bom nordestino que é, mas você consegue identificar todos os elementos da estrofe?

O texto de hoje busca explicar a tradição junina a partir de uma análise desses elementos.

 

Três datas marcam as festividades: dia 13, Santo Antônio; dia 25, São João, e dia 29 que é comemorado o dia de São Pedro. Engana-se quem acha que os três são comemorados assim desde sempre, dois deles, por exemplo, foram contemporâneos à Jesus Cristo e  o outro viveu 12 séculos após; a fogueira é relacionada diretamente  apenas a um dos três; a quadrilha, como conhecemos, é original da França, e o baião e a sanfona só foram acrescentados à tradição a pouco tempo. 

 

Vamos por partes, primeiro as santidades católicas comemoradas.



Santo Antônio viveu em Lisboa - Portugal e mudou-se para Pádua na Itália, onde faleceu, daí o motivo de conhecermos este santo como Santo Antônio de Pádua, viveu entre os séculos XII e XIII.

 A cultura do dote na Europa da Idade Média funcionava da seguinte forma: a mulher devia pagar certa quantia para o homem com quem pretendia se casar, aqui é onde entra Santo Antônio, que cobrava favores à comerciantes e nobres da época, e com isso ajudava a pagar tais quantias, por esse motivo o título de santo casamenteiro. No Brasil às vésperas do dia deste santo é comemorado o dia dos namorados, presentes são trocados e simpatias são realizadas. Uma mandinga famosa feita por quem deseja casar-se, é retirar o Menino Jesus dos braços da estatueta do santo e só devolver ao local quando o casamento for realizado; com o mesmo intuito, viram-no de cabeça para baixo ou o deixam de costas.

Dá uma pesquisada ai, todas as fotos de Santo Antônio apresentam um homem que segura uma criancinha nos braços, mas lembre-se que Jesus viveu 12 séculos antes dele.

 


Um bônus: A comemoração do Dia dos Namorados, feita pelo mundo a fora, é no dia 14 de fevereiro, o dia de São Valentim. Aqui no Brasil a data 12/06 é herança de uma campanha do publicitário João Doria, pai do atual governador de São Paulo, João Doria Junior.  Em 1949, necessitando alavancar o comercio no mês de junho, o slogan “Não é só com beijos que se prova o amor”, foi o que uniu as cresças do santo casamenteiro com a troca de mimos entre os amantes.

 

      

                 

(São João sempre é retratado como se estivesse pedindo para falar, pois era conhecido por pregar a palavra e anunciar a vinda do filho de Deus. Foco na conchinha amarrada na cintura, ela serve para apanhar a água do batismo).

São João é São João Batista, um profeta filho de Zacarias e Isabel, primo de Jesus Cristo; foi prometido por Deus para o casal, mas a gravidez era de risco, pois a mãe já era idosa. No Evangelho de Lucas capítulo 1, diz: 36E eis que também Isabel, tua prima, concebeu um filho em sua velhice; e é este o sexto mês para aquela que era chamada estéril, e ainda no mesmo capítulo: 56E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para casa. 57 E completou-se para Isabel o tempo de dar à luz, e teve um filho. Para quem leu com atenção nota-se que, da concepção de Jesus para o nascimento de João Batista passam 6 meses; logo, se, pela crença cristã, Jesus nasceu dia 25 de Dezembro, nada mais coerente que o santo tenha nascido dia 24 de Junho (duvido se você sabia dessa).

 Enfim, pelo fato do nascimento de João ser um milagre tão aguardado quanto de seu primo, Zacarias e Isabel acendem, no dia do nascimento do filho, uma fogueira para avisar que o milagre havia se efetivado, daí em diante a fogueira lembra este ato. Os demais santos do mês agregaram o costume. O mais comum é que as fogueiras sejam acesas às véspera do dia do santo, ou seja, dias 12, 23 e 28; há uma variação cultural em algumas cidades e famílias em que as fogueiras também são feitas no dia do santo, mas sempre as  18 horas.

Fogueiras acesas em frente de casafogueiras acesas em frente as casas



 

 A Comunidade Católica de Ilha Grande comemora, em novena, a festa de São João no Alto do Batista (entendeu a referência, né? Alto do Batista, João Batista).

   

                             

                                             Igrejinha de São Pedro na praça dos Tatus

 

No bairro Tatus, há uma igreja construída para homenagear São Pedro, ele foi apóstolo de Cristo, negou Jesus 3 vezes, é considerado o primeiro Papa e segundo a crença, é sobre ele que está edificada a Igreja Católica como instituição. Ele é responsável pela chave do Céu, as estatuetas e imagens de São Pedro sempre deixam claro essa relação, Pedro é retratado segurando uma chave. Cabe a ele fazer uma ligação entre o mundo terreno e o mundo espiritual. Foi pescador e por isso a procissão no dia de São Pedro, feita nas tardes de 29 de junho, é realizada em embarcações no Rio dos Tatus. Há uma relação mitológica que relaciona São Pedro com o clima, principalmente com a chuva ou a falta dela, e isso também se explica com o fato de ele ser responsável pelos portões do Céu.

      

 

Imagem de São Pedro. Repare nas chaves em sua mão.

Padre ao lado da imagem de São Pedro durante procissão no rio Tatus.

 


 

Quermesse, de David Teniers, o jovem (1652, óleo sobre tela, 157 x 221, Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas)

Quermesse são festas realizadas por igrejas afim de arrecadar fundos para a manutenção.  Cada uma absorve costumes regionais, criando uma identidade cultural única; por tanto, duas festas para o mesmo santo podem ser totalmente distintas dependendo do local em que estão sendo comemoradas. As quermesses vieram para o Brasil com os padres jesuítas no século XVI. Os padres ao catequizar os índios, tanto inseriam novos elementos na cultura indígena, como absorviam hábitos que aos poucos foram formando o que conhecemos. Vatapá, mungunzá ou chá de burro, maça do amor; os mais recentes, creme de galinha e arrumadinho; barraca do beijo, cadeia e correio do amor; são exemplos de comidas e dinâmicas que, para boa parte dos ilhagrandenses, formam uma espécie de ritual anual sagrado.


                                 

                                            Quadrilha Mandacaru, Labino, Ilha Grande- PI 

A quadrilha como conhecemos, aos pares e com passos elaborados, foi introduzida algum tempo depois da chegada dos jesuítas. Já com uma elite instalada, a dança era realizada em salões e o “Anarriê” é uma palavra de origem francesa que significa “para trás”, ou seja, que todos devem voltar para seus lugares. Aqui em Ilha Grande, ótimas quadrilhas se apresentam durante e após o mês de junho, com os participantes em suas vestimentas elaboradas de retalho de pano à chita.


                                   
                                      Apresentação bumba meu boi na praça dos Morros da Mariana

O Boi, como chama o Ilhagrandense, é uma dessas tradições que mistura elementos africanos, indígenas e europeus. A primeira apresentação de todas as equipes de boieiros é na noite da fogueira de São João, no dia 23 de junho. Com seus chapéus enfeitados com espelhos, brilho e penas de pavão, o boieiro ostenta uma lança e está ali para salvaguardar o Boi até o dia que ele (o Boi) irá morrer em uma apresentação durante alguma tarde de agosto. Os brincantes encenam um triste final, com perseguição que dura o dia inteiro e culmina com a estrela da festa amarrada em poste de madeira. Do Boi é tirado o sangue que todos beberão (vinho).  A morte do Boi é uma festa comemorada entre os participantes tal qual o banquete de comemoração das pastorinhas, dado que a dinâmica é semelhante, quero dizer, as equipes recebem pelas apresentações.(Nada mais justo, não acha?)


O sargento e o Boi: o brincante trajando vestes de policial, dá água ao brincante que sustenta a estrela da festa.

 

Pretendemos abordar melhor esses costumes em textos próximos.

 

 

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

 

O Baião e a sanfona são costumes acrescentados já nos anos 1900. Luiz Gonzaga é considerado um divisor de águas na tradição, ele nasceu em 1912 e consolidou a sanfona como instrumento principal do ritmo musical. O Baião é  derivado do lundu, uma dança africana. O xote aperreado, contagia todos que ouvem, o difícil é ficar parado.

Olha pro céu me amor

Vê com ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Que lá no céu vai subindo.

(...)

Trecho da musica Olha Pro Céu de composição de Luiz Gonzaga e José Fernandes, 1951.


A cultura muda e se adapta, hoje pedimos que haja consciência da parte de todos em não queimar madeira em consideração às pessoas acometidas pela síndrome respiratória aguda grave decorrente da infecção por Corona Vírus. 

 

  

Ilha Grande - PI, 12 de junho de 2020

Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena.
 Aos caipiras de Ilha Grande




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