terça-feira, 31 de março de 2020

Sobre as Marisqueiras da Ilha



Fotos do arquivo pessoal de Janaina Leocadio.



Por que curtir tanto sol
Enrugar o rosto, calejar as mãos
Navegar com força
E até esquecer os desejos do coração?
Por que navegar é preciso

Poesia “Pescar é preciso” feita por Luzanete Lima, pescadora de Taiba,
 São Gonçalo do Amarante – CE.


Em meio ao que estamos vivendo devido a pandemia do coronavírus, não poderíamos deixar de continuar nossa proposta de homenagear as mulheres ilhagrandenses, por mais que o momento seja difícil.

Hoje vamos falar um pouco sobres as marisqueiras da nossa ilha! Os trechos da entrevista aqui apresentados, são referentes a uma conversa realizada no início de 2019 com dona Luiza, marisqueira conhecida que foi presidente da Associação das Marisqueiras com sede na comunidade Tatus. Nosso texto busca dar foco a essas mulheres que representam todas ilhagrandenses, que com força, vão além de todos os rótulos e toda invisibilidade que as permeia.

            Em nossa região temos figuras bem conhecidas. Nossos pecadores, catadores de caranguejo, que são conhecidos pelo ofício e como resultado do conhecimento dessa categoria, temos a colônia de pescadores, o festival do caranguejo e pelo menos, uma dezena de associações.

Porém, não são somente esses homens que adentram o rio em busca do seu sustento, na Ilha temos mulheres que pescam, e temos também as marisqueiras. Não é de surpreender que o trabalho dessas mulheres não seja tão visto. Vivemos em uma sociedade patriarcal onde a mulher vive silêncios dos seus ofícios, o trabalho feminino é visto como secundário ou apenas uma complementação do trabalho masculino, tendemos a invisibilizar as mulheres.

Elas saem sedo de casa, carregam as canoas com os instrumentos de trabalho, sendo o mais importante o Landuá, adentram o rio atentas as marés e quando chegam no local propício enfrentam o sol, sentadas na lama catando o marisco.

 Abrindo um parêntese para a experiência que tive ao vivenciar esse momento junto as marisqueiras, só posso dizer que tenho todo respeito e admiração por esse ofício, que mostra o quanto a expressão “sexo frágil”, é um clichê de pessoas que jamais olharam para além da própria realidade, que o trabalho delas deveria ser bem mais valorizado, que diminuir o ato de mariscar é  algo de imensa ignorância, e essas mulheres depois de enfrentarem um dia de sol e trabalho, fazem jornada dupla cuidando dos seus lares.”

Thalita Nascimento de Souza, historiadora pela UESPI- Parnaíba, colaboradora do Carta Ilhagrandense.

O grupo das marisqueiras já existe a bastante tempo em Ilha Grande e o ato de mariscar é ancestral, nesse grupo muitas mulheres buscam o sustento da família por meio da cata do molusco. Durante a conversa com dona Luiza, ela nos fala sobre a importância da renda para as mulheres, “O marisco é um dinheiro a mais pra nós, a gente cata e vende, também deixa em casa pra comer...”, além da comercialização do produto, ele também é alimento para as famílias das catadoras.

Hoje a Associação das Marisqueiras é um movimento forte na busca de direitos e valorização do trabalho dessas mulheres que exercer outras atividades enquanto grupo.   

“Nós hoje conseguimos muita coisa, vem o pessoal dos projetos, a também corre atrás, sempre aprende uma coisa nova, a gente trabalha com o artesanato e nossa horta, vai pra cidade na Universidade vender nossas coisas e as pessoas saber que a gente tá aqui.”
Maria Luiza Sousa Santos, Marisqueira ilhagrandense.

O marisco ainda é um produto pouco comercializado, a própria culinária não valoriza muito, quantos restaurantes na nossa região apresentam o marisco no seu cardápio?

Tendo isso em vista elas criaram o festival do marisco, um evento onde apresentam toda uma culinária do seu produto com pratos feitos exclusivamente do marisco “No festival do marisco a gente faz tudo dele, faz um creme, torta, ele torrado com farofa... e todo mundo que vem gosta, as pessoas de fora gostam muito.”

É importante ressaltar, que o trabalho dessas mulheres se mantém forte pela vontade e pelo oficio que elas exercem. Dona Luiza que foi presidente da associação por muito tempo, diz que todo esse período sempre participava de eventos em busca de melhorias que trouxessem o reconhecimento para o trabalho delas: “eu já participei de muita coisa, das reunião que tinha, as meninas já viajaram pra congresso sempre tentando trazer uma novidade pra gente melhorar aqui”.

Hoje a associação é visitada por muitos grupos, universitários, ONG’s... dona Luiza diz que essa troca é benéfica para elas, por que elas aprendem sobre muitas coisas e as pessoas passam a conhecer o trabalho delas:

 “Vem muita gente atrás de nós, estudantes fazendo pesquisa, pessoal das ONG’s, gente querendo conhecer o que a gente, ajudar o nosso trabalho, tem os grupos que traz palestras, as meninas que faz brincadeiras com as crianças pra gente isso é muito bom por que a gente aprende muito as pessoas conhecem a gente e também ajudam a gente com projetos."
Maria Luiza Sousa Santos

Um prêmio recente que a associação conquistou, foi o prêmio de inclusão social, numa troca de conhecimentos com o coletivo feminista Mulheres em Pauta, que tem como objetivo o empoderamento e informação, para o beneficiamento do produto das marisqueiras, além da comercialização do marisco, elas passaram a comercializar o pó feito das cascas de mariscos, que são residuais do trato do produto, as cascas são trituradas e comercializadas, o pó das cascas se torna um adubo bastante eficaz.

“Eu gostaria de agradecer esse prêmio porque nosso serviço é muito difícil, a gente depende da maré, eu faço isso há 18 anos e garanto que no meio das novas não estou perdendo muito para elas não”,
Fala de dona Luiza ao receber esse prêmio.

Precisamos aprender a conhecer e valorizar os ofícios da nossa região, principalmente das mulheres, o ato de mariscar está em nossas tradições, diz muito sobre nossa identidade, sobre o que somos. Reconhecer o trabalho dessas mulheres é reconhecer o que nos faz ilhagrandenses.
Parabéns as nossas mulheres das águas!


Ilha Grande - PI,  31 de março de 2020.

Dos Autores em quarentena

Para o povo em quarentena.




Fotos do arquivo pessoal de Janaina Leocadio, mostrando dona Luiza, nossa entrevistada, no processo de beneficiamento do marisco. 



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