domingo, 5 de abril de 2020

A quarentena e o catador de caranguejo




A CATA DO CARANGUEJO E A CRISE CRIADA PELA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS, A COVID-19.

A pesca do caranguejo no município de Ilha Grande-PI, é hoje, sem sombra de dúvidas, o serviço artesanal mais importante para produção de renda, tendo consigo uma grande quantidade de catadores, que usam diariamente a região do Delta do Parnaíba para extração desse tão importante crustáceo.

Desde o princípio, haviam dois fortes ramos artesanais na cidade de Ilha Grande: o cultivo do arroz, às margens do rio Parnaíba e a cata do caranguejo feita nas faixas de mangues, ambos ligados diretamente à criação de renda. Todavia em meados dos anos 2000, o cultivo do arroz foi perdendo forças, graças a mecanização e a produção em larga escala que passou a acontecer próximo da região do Delta, trazendo consigo uma espécie de “colapso econômico”, tendo em vista que artesanalmente é impossível competir com máquinas e outros meios tecnológicos. 

Acontece que, uma vez que essa crise chegou no cultivo do arroz, tornando essa atividade bem menos produtiva, a quantidade de catadores de caranguejo aumentou significativamente. Os lavradores buscaram outras formas, que estavam ao seu alcance, dentro de suas realidades, tais como: pesca de peixes e de camarão, cata de marisco e a CATA DO CARANGUEJO.

Como está procedendo diante da situação financeira negativa por conta do impacto causado pela Covid-19 e como você imagina que sejam os dias que virão?

"Sem termos pra quem vender, não há por que catarmos. Infelizmente, neste momento, a nossa realidade é esta. Temos que lidar com a situação acreditando em Deus e torcendo pra que as coisas venham a se normalizar."

 EDIVALDO BATISTA DOS SANTOS, catador de caranguejo 

Edivaldo aprendeu a catar caranguejo com o pai, desde muito cedo, junto de seus outros oitos irmãos. Fazendo da cata do caranguejo a sua principal fonte de renda. 
Segundo Edivaldo, a crise causada pela Covid-19, o afetou de forma parcial, deixando o seu sustento comprometido. Ele conta que, além do caranguejo, pesca e cata outros crustáceos pra suprir a necessidade. No entanto, explica que a situação é delicada e que sem renda ficará difícil arcar com os compromissos mensais. Quando o pergunto a respeito de uma possível mudança no seu ramo de trabalho, ele responde: 

“Temos que ser diversificados, pois um homem não deve ter só um tipo de trabalho, ele deve sempre agregar-se a outros meios de trabalho pra conseguir sua renda”.

Segundo Edivaldo a situação em nossa região é ruim, no entanto é possível sobreviver aproveitando outros meios básicos de subsistência.


          Como está procedendo a sua situação financeira de ante a crise causada pela Covid-19 e como você imagina ser os dias que virão?

 "Sem o turismo fica difícil, pois tudo é um sistema só. Sem turista não temos restaurantes abertos, sem restaurantes abertos não tem carne de caranguejo, sem carne de caranguejo não temos renda".

FRANCISCO MAXIMIANO, atravessador de carne de caranguejo

Francisco é um dos poucos atravessadores de carne de caranguejo de Ilha Grande.  Segundo ele, a crise causada pela Covid-19, fez com que parasse de comprar e tirar carne de caranguejo, pois o mercado o qual ele fornece parou de funcionar, fazendo com que ele fosse obrigado também a parar de comprar o crustáceo para extração da carne. 
Pelo que Francisco diz, este é um ramo muito delicado, afinal a necessidade de extrair a carne existe para que seja realizada a venda, e por se tratar de um alimento perecível, não se pode passar muitos dias com o produto.

           Você pensa em atuar em outro ramo pra conseguir renda? 

"Não! Já estou neste meio de serviço há muito tempo. Eu tenho fé de passar esta situação pra voltarmos a trabalhar e ajudar nossos companheiros de serviço. Pra mim seria muito difícil me adaptar em outro ramo."

Edivaldo e Francisco fazem parte de uma mesma cadeia produtiva, neste caso da cata do caranguejo extraídos do Delta do Parnaíba, exercendo diferentes funções. Enquanto um cata, o outro atravessa a venda da extração da carne do crustáceo. 

É possível observar que a agregação de valor do crustáceo, possui identidades iguais. Todos dependem do crustáceo para obter renda. No entanto, diante da crise instalada no país (e no mundo inteiro) por conta da Covid-19, os mesmos criaram certas expectativas e o medo se instalou também, pois o futuro é desconhecido para todos. 

No que se refere à questão do caranguejo, é visto nesse contexto o isolamento de ideias produtivas. Logo o trabalho de anos pode desaparecer de suas mãos por conta de estruturas econômicas, que até então são mais determinantes que o próprio produtor da renda (o trabalhador). 

As ideias fixas de produzir e vender são rituais soberbos de uma economia ativa, a qual predomina sempre o capital e o seu valor de produção. 
A situação atual é nova e o seu futuro é o mais desconhecido possível, porque além do enfraquecimento das forças de trabalho, podemos também estarmos à beira de uma recessão do capital financeiro, enfraquecimento de renda e escassez de produtos. 
O capital produzido com a comercialização do caranguejo e seus derivados é de grande valia pro movimento financeiro e comercial de nossa cidade, o que faz desse momento extremamente delicado para aqueles que vivem do ramo e para o município como um todo, pois afeta diretamente a economia local e, consequentemente, ameaça a sobrevivência digna das famílias envolvidas em todo esse sistema. 


Escrito por Francisco das Chagas Mendes dos Santos (Cidadão Ilhagrandense, economista pela UFPI e catador de caranguejo profissional).



Segundo o IBAMA (artigos/2008), no Piauí existem cerca de 2.500 catadores de caranguejo. O desembarque do caranguejo-uça representa 50% da produção pesqueira do Piauí. Mesmo trabalhando com a venda de um não importante economicamente a renda média da maioria desses catadores não ultrapassa um salário mínimo. Quanto à escolaridade a grande maioria desses trabalhadores são analfabetos ou não completaram o ensino fundamental. Quanto ao caranguejo capturado, a maioria dos catadores afirma coletar de 40 a 80 caranguejos por dia. Só no município de Ilha Grande produz semanalmente 60 mil caranguejos para serem vendidos para empresários do Ceará. A extração do caranguejo é uma das atividades mais lucrativas e mais importantes do Piauí, todavia a maioria dos trabalhadores do ramo pesqueiro, mais precisamente os caranguejeiros, vive em situações miseráveis, vendendo sua força de trabalho por um salário de fome, com isso alimentam a riqueza de empresários que cada dias estão mais abastados e poderosos”.

Trecho do texto: CATADORES DE CARNAGUEJO DO DELTA DO PARNAÍBA HISTORIA E MEMÓRIA.
Autor: Daniel Souza Braga, 2012.



Ilha Grande - PI, 05 de abril de 2020
Carta Ilhagrandense.

Dos Autores em quarentena

Ao povo em quarentena.


Caranguejo-uça.
Vista aérea da ida ao manguezal.

Catador de caranguejo preparando "dedeiras".

Catador de caranguejo preparando fumaça para afugentar mosquitos.

Chegada ao mangue.

Caminhada na lama.

Cata do caranguejo-uça

Fabiano de Assis, catador de caranguejo de Ilha Grande.

Antônio Valdomiro, catador de caranguejo de Ilha Grande, pai de Fabiano.

As imagens usadas foram retiradas do vídeo: 

"Grenzenlos - Die Welt entdecken" in Nordbrasilien, que mostra a rotina do catador de caranguejo ilhagrandense, do momento 8 min e 30 seg aos 17 min e 30 seg.





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