quarta-feira, 18 de março de 2020

Sobre as Pastorinhas da Ilha




“Acorda chega à janela
Que o céu está estrelado
Os santos reis do oriente
Em vossa porta é chegada

Desperta de um grande leito
Abre a janela vem ver
Como são lindos os presente
Que viemos receber”.

        Acima vemos um trecho de uma das canções das Pastorinhas da Ilha. Como havíamos combinado, esse mês de março vamos homenagear, por meio de alguns grupos, as mulheres de Ilha Grande - PI.
As Pastorinhas da Ilha é uma grupo formado em sua maioria por mulheres, esse é o motivo de estarmos aqui contanto um pouco da história delas, que saem durante as noites do mês de Janeiro,  do dia primeiro ao Dia de Reis (06), visitando com muita  música e dança os lares da nossa cidade. Você certamente já deve ter tido o privilégio de presenciar alguma apresentação das pastorinhas ou até mesmo, tido o receio de ter a canção “Coração de pedra dura” cantada em sua porta por elas, enfim vamos conhecer um pouco dessa manifestação que deveria ser mais valorizada por nós, pois é algo que faz parte da nossa identidade quanto ilhagrandense.

          Ao sentarmos com dona Raimunda, apontada por vários munícipes das proximidades do Baixão como matriarca das pastorinhas, ela nos conta um pouco sobre como tudo começou. Segundo ela, sua mãe dera início as apresentações:

“Tudo começou pela minha mãe. Eu era nova, moça em casa e brinquei muito, depois me casei, ai tudo parou. Mas ela continuou né? Ai quando foi um tempo ela não aguentou mais botar, né? Ai eu me animei mais as outras meninas”

             É importante perceber, que as pastorinhas foi algo repassado de mãe para filha de forma espontânea, pelo desejo de diversão. Muitas de nossas avós casaram-se cedo demais, talvez essa fosse uma forma delas se distanciarem um pouco do lar, uma vez que a grande maioria delas são donas de casa. E mesmo com o desafio de cuidar do lar e da família, tinham o prazer de sair de suas casas a noite, cantando e dançando nos lares ilhagrandenses.

              Ao ser perguntada como se sente hoje, vendo as pastorinhas saindo nas ruas, dona Raimunda fala: “Nada". Apesar dessa sua forma de falar, é possível perceber o tom de orgulho daquilo ao qual participava. Uma fala que veio com muito entusiasmo foi sobre o deslocamento do grupo para outros lugares: “Nesse tempo a gente andava de canoas para as Mangueiras, para as Batatas, pra culá tudo a  gente andava embarcado. Enchia a canoa de homens, os homens é quem iam remando e as mulheres todas sentadas.” E seu sentimento de nostalgia aparece na afirmação final da nossa conversa quando ela fala:

 “Quando eu brincava, a gente amanhecia o dia. Eu gostava. A gente amanhecia o dia na praça dos Morros da Mariana, todo mundo, as mulheres todas e os tocadores amanheciam o dia lá. Quando chegava em casa cada qual cuidava no que tinha pra fazer. Era boa a brincadeira.”


            Pela fala de nossa colaboradora, podemos chegar à conclusão, que aqueles tenham sido anos áureos para o grupo. Elas gostavam de participar, eram reconhecidas, convidadas para ir nesses lugares mais distantes, mas não podemos deixar de falar aqui, que muitas manifestações populares acabam sofrendo ou caindo no esquecimento com o tempo, pois diante de muitos outras novidades a perpetuação acaba se tornando um desafio, uma vez que a tradição vem sendo repassada de mãe para filho por meio da oralidade.

Na visão da nossa entrevistada, as meninas mais jovens não tem interesse em participar dessa brincadeira, “Não tem uma moça, não tem quem queira. Moça nenhuma não vai, vai aquele monte acompanhar, mas pra brincar não.” Ai deixo um questionamento para vocês, será que esse desinteresse por parte dos mais jovens por manifestações populares se dá pela falta de valorização com a nossa cultura ou será apenas o curso natural do preço que pagamos pelo mundo moderno?

            Continuando. Não poderia deixar passar, a importância do papel da mulher no lar dentro da Cultura, muitas de nossas avós e grande parte de nossas mães são apenas “do lar” e mesmo que esta exerça atividade fora de casa, as obrigações sempre lhes serão cobradas. Então muito do que nós aprendemos vem de nossas mães, isso é algo da nossa cultura patriarcal, e perceptível, quando vemos na fala de dona Raimunda como aprendeu com sua mãe e seu filho, o Sr. Lucio  também, em sua fala diz  o que aprendeu com ela, dona Raimunda “Eu com uns, 8 anos 10 anos, acompanhava ela. Ela tinha a turma dela. Eu fui ouvindo as músicas e eu fui aprendendo”

            Sr. Lucio e sua irmã Francinete, que atualmente não mora aqui, tem um grande conhecimento sobre as pastorinhas adquiridos da mãe. Hoje ele mantém a organização do grupo, incentiva as mulheres a participarem, e é o único homem que dança e canta no grupo, mas para sua participação ele se transfigura com as roupas que todas as outras usam.

             Após um período sem se apresentar, Lucio e sua irmã decidiram montar novamente o grupo, e retornar com as apresentações:

“Depois que a mamãe parou, ai ela ficou um tempo sem botar, ai minha irmã falou assim: 'Lucio, vamos botar as pastorinhas?' e eu falei 'Vamos, vamos combinar com as meninas', ai todas conhecidas daqui mesmo, e um convidou o outro, 'Ai nós vamos', ai se reuniu o grupo. Ai todo ano. Agora esse ano, estamos com uma promessa de um uniforme pra gente”.

          É importante ressaltar aqui sobre como o grupo se mantém, por que nosso intuito não é somente mostrar a história, é homenagear, e não há homenagem maior que o apoio!

           As pastorinhas sobrevivem da boa vontade daqueles que participam do grupo, elas que se organizam, compram tecidos e fazem seus figurinos, compram seus adereços e enfeites, contam com a ajuda de quem se oferece voluntariamente para tocar instrumentos para elas:

“Ai prometeram pra gente e tudo mais, mas nunca a gente conseguiu nada. Quando chega os 15 dias antes, a gente se reúne, escolhe o tecido que a gente vai usar, todo mundo dá uma opinião. Ai cada qual compra sua roupa e manda fazer. E é assim [...], somos um grupo independente. A gente nunca teve ajuda de órgãos assim.”

         Falta ainda por parte do poder público, o incentivo para nossas manifestações culturais, valorização daquilo que é nosso, porque não chamar no aniversário da cidade as pastorinhas para fazer uma apresentação e mostrar seu trabalho? Convidar uma marisqueira pra falar sobre suas vivências ou as rendeiras para mostra sua tradição? Devemos ver essas mulheres para além das figuras folclóricas, deveríamos aprender a vê-las como mulheres que fazem parte daquilo que Ilha Grande do Piauí é, como parte daquilo que somos.





Nenhum comentário:

Postar um comentário