quarta-feira, 25 de março de 2020

O futuro do trabalhador autônomo ilhagrandense

       

 “Nas crises comerciais são destruídas regularmente não apenas uma grande parte dos produtos fabricados, como também das forças produtivas já criadas. Nas crises irrompe uma epidemia social que teria parecido absurdo em épocas anteriores – a epidemia da superprodução. Repentinamente, a sociedade parece retornar a uma situação de barbárie momentânea; como se a fome, uma guerra de extermínio geral, tivesse privado de todos os meios de subsistência; como se a indústria e o comercio tivessem sido destruídos. E por quê? Porque ela possui muita civilização, muitos meios de subsistência, muita indústria, muito comércio. As forças produtivas, que estão à sua disposição, não servem mais como estimulo da civilização burguesa e das relações burguesas de propriedade; ao contrário elas se tornaram muito fortes para essas relações, e são por elas contidas; tão logo elas rompam essas travas, toda a sociedade burguesa é lançada na desordem ameaçando a existência da propriedade burguesa.” Esse texto, meu amigo leitor, é de Karl Marx, filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista; e com a ajuda dele o Carta irá, hoje, tecer breves comentários sobre: o futuro do trabalhador autônomo Ilhagrandese.


Entendemos como trabalhador autônomo Ilhagrandese a pessoa que: 1) mora em Ilha Grande e trabalha de forma autônoma em Ilha Grande ou cidades vizinhas, como Parnaíba e Luiz Correia;
2) mora nas cidades vizinhas, mas faz o emprego da sua força de trabalho, de forma autônoma, em Ilha Grande.

Conversamos com Carlos Barros, empresário ilhagrandense, dono da Pizzaria Dom Luíz. Ele que atende uma média semanal de 150 à 300 clientes, dependendo da temporada, se vê em um momento decisivo para a continuidade de seu empreendimento, pois prevê uma queda de 70% nas vendas.

“O Cenário é preocupante, pois precisamos das vendas e assim garantir o pagamento dos funcionários, aluguel, água, luz e nossas despesas pessoais.”
Carlos Barros.

A pizzaria conta com 5 funcionários e Carlos vai fazer rodízio para que todos possam continuar trabalhando, e para isso ele conta com um novo formato de vendas: Já adotamos a estratégia de atender somente por entregas.

O Delivery, é o sistema de entregas à domicílio, e já vinha fazendo parte da rotina de muitos restaurantes, lanchonetes e comércios; ele pode ser um dos formatos de vendas do estabelecimento ou pode ser contratado de forma independente, como os aplicativos aiqfome e Ifood, que se encarregam de fazer a entrega de produtos de forma independente. 


“Como a burguesia supera as crises? Por um lado, com a aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, com a conquista de novos mercados e a exploração mais sistemática dos velhos mercados. Mas de que modo? Preparando crises mais universais e mais fortes, e reduzindo os meios de preveni-las”.


          No trecho acima, Marx explica o que os donos de empresas precisam e irão fazer: “... aniquilação forçada de uma massa de forças produtivas..., ou seja muitos irão perder seus empregos (guarde aqui: caixas de supermercados, atendentes de lojas). “... conquista de novos mercados ...”, o delivery é um exemplo. “... exploração de velhos mercados”, as pizzarias, lanchonetes e comércios, que são estruturas físicas e que não tiverem como adotar esse formato de maneira autônoma, ficarão suscetíveis a contratar empresas de delivery independentes.

Mas de que modo? Preparando crises mais universais e mais fortes, e reduzindo os meios de preveni-las”. Para exemplificar essa última parte, usaremos as conversas com Rebeca Andrade, Guilherme Jorge, Patrícia Cruz e Gleisson Souza. Os quatro são trabalhadores autônomos e usam principalmente Ilha Grande e Parnaíba, para fazer a oferta de seus serviços.

A microempreendedora parnaibana, Rebeca Andrade é artesã do ramo da costura e já faz entregas em Ilha Grande desde o início do Ateliê Alternativo, há 5 anos. Ela usa vários artifícios para expandir suas fronteiras de venda, como a entrega à domicilio, propaganda virtual (redes sociais) e o uso da máquina de cartões, para ofertar opções de pagamento e comodidade ao cliente.

“Com a demanda de encomendas crescendo, e muitas vezes as pessoas desistiam de encomendar devido ao local de retirada ser um pouco longe. Vi a necessidade de fazer entrega, combinei com meu companheiro dele me ajudar nessa questão, pois na época não tinha transporte ainda. E por meio das vendas consegui comprar uma moto, e a oferta da entrega já era algo natural, pois o que muitos gostam é da comodidade de receber seu produto em casa.”
Rebeca Andrade.

Rebeca aposta que, a comodidade do cliente será uma das ofertas mais importantes no desenvolvimento das novas formas de trabalho, principalmente o trabalho autônomo, e com a possibilidade do avanço do Corona, haverá uma supressão da forma como lidamos com o dinheiro (capital em forma física).

“O uso da maquininha já era frequente e segundo orientação da OMS (organização mundial da saúde), as cédulas de dinheiro podem disseminar o corona vírus, e o melhor para o momento é o uso dos cartões de crédito e/ou débito. Então a demanda pode aumentar significativamente para conter a proliferação da doença e melhorar a comodidade do cliente. Sem falar que o dinheiro recebido pela máquina de cartão cai em um dia útil! Muito bom né?”
Rebeca Andrade.

Para garantir que seus produtos sejam vendidos, outra estratégia é a divulgação, o marketing virtual.

“O uso das redes sociais é o meu aliado nesse ramo. Fazer postagens de qualidade e diárias, para que o engajamento não caia, se preocupar sempre com o que as pessoas acham do serviço ofertado, procurar melhorar em todos os aspectos, oferecer brindes para clientes contínuos, dá a certeza que eles ajudam na divulgação; fazer parcerias com outras pessoas, sorteio via instagram, promoções e descontos também aumentam o alcance da rede de clientes.”
Rebeca Andrade.

Guilherme Jorge, fundador e sócio da microempresa ilhagrandense FG TECH - soluções em informatica, presta serviços de assistência técnica e suporte de computadores, micro computadores e smartphones em Ilha Grande, Parnaíba e Luiz Correia. Ele acredita que seu mercado não será o mais afetado, por um lado, as pessoas passando mais tempo em casa necessitarão de ajustes em seus computadores e celulares; por outro lado, ele explica que, o modelo delivery de busca e entrega, já era o formato mais comum da prestação de seu serviço. Mas se preocupa, segundo ele, com “a probabilidade das baixas da economia” e continuará trabalhando no período de quarentena, porém vai redobrar os cuidados.

“Vou usar máscaras e álcool gel, manter o distanciamento de 1 metro e sem contato físico. As recomendações feitas”.
Guilherme Jorge.

Aproveitamos que ele é formado em história pela Universidade Estadual do Piauí - Parnaíba e perguntamos sobre: como ele vê a mudança, que está acontecendo e que a maioria não percebe, a revolução do modo em que usamos o “dinheiro”?

Basicamente já estávamos em transição com as transações on-line, agora vai só aumentar”.
Guilherme Jorge.

Rebeca e Guilherme seguem em uma mesma linha de pensamento, relacionada às suas ofertas de serviços, e fazem parte de um grupo que, embora sofra com o déficit do mercado atual, já buscava interagir com as tecnologias, visando o aprimoramento da sua autonomia, desde o início de suas carreiras.

Patrícia Maria Cruz, que também faz parte do microempreendedor Ilhagrandese, porém por mais tempo que Rebeca e Guilherme. Ela faz bolos confeitados para as datas comemorativas, desde os ano 90 e conta com clientes fiéis, ilhagrandenses e parnaibanos. Com o avanço da pandemia, já pensa em aplicar a opção de pagamento no cartão de crédito e débito, para dar opções ao cliente e pensando na baixa circulação de notas no pós quarentena, porém se vê ameaçada por não ter um sistema de entrega.

Para ela, o fato de o período da quarentena coincidir com o pico de procura por seus bolos e a condição das pessoas estarem em casa; são lembretes de Deus para a tradição cristã do final da quaresma. Dona Patrícia lembra que na sua infância/adolescência, os costumes de se recolher em casa, não fazer vendas (alguns tinham receio até de tocar nas cédulas de dinheiro e de tomar banho), ser solidário ao próximo e passar mais tempo com a família em oração; eram fortes, e que essa freada no sistema capitalista, irá fazer as pessoas reatarem com hábitos antigos. Mas deixa de perceber o quanto o sistema capitalista permeia sua vida.

Quisemos saber, se ela pretende fazer os famosos bolos dos jejuns da Sexta-feira Santa, e ela responde:

“Vou vender bolo na Semana Santa, é o jeito né? O quê que a gente pode fazer? É o único meio de ganhar dinheiro é esse, tem que vender.”
Patrícia Cruz.

                       “A burguesia arrancou das relações familiares seu véu pungente e sentimental, transformando-as em uma mera relação de dinheiro.”
Karl Marx.

Gleisson Souza tem 23 anos e trabalha como garçom nos bares e restaurantes de Parnaíba e Ilha Grande, já trabalhou de forma autônoma, esporádica e informal, mas no início do ano conseguiu contrato fixo. Ele hoje se questiona sobre, como será o tratamento de seu patrão com relação a quarentena, e como isso vai implicar no pagamento de seu salário.

“Preocupado, não por mim, porque mesmo eu doente, eu não vou no hospital, mas minha filha sim. Me preocupo pela minha filha que tá por vir esse mês e tá acontecendo tudo isso...”
Gleisson Souza.

“Os custos gerados pelo trabalhador limitam-se, portanto, quase apenas aos meios de subsistência necessários para o seu sustento e sua reprodução”.
Karl Marx.

Nosso amigo será pai em breve, com expectativas para esse mês (março/2020), será um momento abençoado, no entanto carregado de preocupações. Para prevenir, ele já pensa em maneiras de garantir a renda familiar e investe em propagandas para a aplicação de um sistema que visa explorar o delivery. Indo fazer as compras para as pessoas que estão em quarentena e quando tudo passar, ele aposta no desejo de comodidade dos dias atuais.

Muito provavelmente, pessoas como Dona Patrícia e Gleisson, formarão pares ou conjuntos complexos de prestações de serviços conjugadas, e vão se ocupar em deixar as pessoas, cada vez mais dentro de casa.  

Lembra disso: (guarde aqui: caixas de supermercados, atendentes de lojas)? Pois é.

 “Nas crises comerciais são destruídas regularmente não apenas uma grande parte dos produtos fabricados como também das forças produtivas já criadas.”

 Caixas e atendentes são exemplos de “... forças produtivas...” que inevitavelmente serão, cada vez menos usuais, e para não perderem o seguimento, pessoas do setor passarão de forma gradual para o novo mercado, porém nem todos terão essa oportunidade. Não preciso recorrer aos acendedores de postes, telefonista ou os barqueiros que, antes da construção da ponte Simplício Dias, se encarregavam da travessia, para mostrar ao leitor que o modo de trabalho é dinâmico.

O conceito de Desemprego Estrutural é justo aquele trabalhador que perdeu seu trabalho para os avanços da tecnologia, ele garante a formação continua de Exército de Reserva, que por sua vez, é a massa de trabalhadores desempregados, que aceitariam qualquer forma de trabalho/pagamento sujeitando-se ao subemprego e a desvalorização de sua classe. Essa mudança é inevitável, pois é condição para a manutenção do capitalismo burguês e é o que congela o valor do salário, mas esse avanço terá uma aceleração inimaginável para o trabalhador e a falta dessa informação deixará muitos para trás. Pense ai, seu trabalho pode ser feito por uma máquina?
               



Ilha Grande – PI, 25 de março de 2020.


Dos autores em quarentena

Ao povo em quarentena.

                                                   Divulgação da pizzaria Dom Luiz
                                         Postagem sobre o sistema delivery da pizzaria


Banner Ateliê Alternativo - Rebeca Andrade


Cartão de visita da FG TECH - soluções em informatica


Apresentação dos bolos a pronta entrega de Patrícia Cruz



Post de Gleisson Souza



























2 comentários:

  1. Comentário mais que necessário neste momento meu jovem.digo: " é igual um balão cheio de gás hélio, pode soltar que sobe e ganha ares"!(grifo meu).

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