domingo, 7 de fevereiro de 2021

A NOSSA LÍNGUA(GEM) É CULTURA!

 

O jeito ilhagrandense de falar


Quem nunca participou de um “sapeca”? Ou tem um amigo “presepeiro”? Já fez aquela faxina e “rebolou as coisas no mato”? Está com saudade das festas “arroiadas”? “Deu fé” daquele negócio na estrada? “Marminino”, se você entendeu até aqui, com certeza é um ilhagrandense raiz. Sendo assim, vamos deixar de “arrudei” e “rumbora” compreender sobre nossa língua(gem)?

A língua(gem) é uma das mais importantes formas de expressão e manifestação da cultura de um povo, pois é através dela que uma sociedade se comunica, constrói o conhecimento e entendimento do mundo, e, consequentemente, constitui sua própria identidade.

Nessa perspectiva de uso, temos muitos questionamentos com relação à nossa escolha linguística, principalmente no tangente da fala/oralidade. Já nos deparamos com diversas dúvidas sobre o “correto” ou “errado” da nossa língua, como: “Fulano não sabe falar, mas como ele fala errado, nem parece português”. Todos esses comentários são comuns no que se refere ao modo como nos comunicamos.

Sobre essa dúvida quanto ao uso da linguagem, devemos compreender que todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. De acordo com Bagno (2014) saber uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. E é exatamente isso que fazemos.

Nesse ensejo, Bagno (2015) afirma que uma criança de 4 anos, por exemplo, tem o domínio da sua língua, já que consegue construir frases em que a comunicação acontece.  Essa criança só não sabe as sutilezas e sofisticações do uso dessas regras, e isso só a leitura e o estudo podem lhe dar. Mas nenhuma criança brasileira dessa idade vai dizer, por exemplo: “Uma meninos chegou aqui amanhã”. Isso se dá pelo fato de se tratar de um falante nativo.

O questionamento sobre o saber ou não português se dá a partir de visão tradicionalista que compõe o preconceito linguístico muito presente na cultura brasileira. Principalmente porque existe uma confusão entre língua e gramática normativa, como se apenas aquele que faz uso das regras soubesse realmente falar português (na verdade, a gramática é apenas uma parte da nossa língua). Sobre isso ( BAGNO, 2015, p. 10) comenta:

 

Existe uma regra de ouro da Linguística que diz: “só existe

língua se houver seres humanos que a falem”. E o velho e bom

Aristóteles nos ensina que o ser humano “é um animal político”.

Usando essas duas afirmações como os termos de um silogismo

(mais um presente que ganhamos de Aristóteles), chegamos à

conclusão de que “tratar da lingua é tratar de um tema politico”, já

que também é tratar de seres humanos. (preconceito linguístico)

 

Por isso, a língua não deve ser vista como algo engessado ou morto, enxergada unicamente pelo viés tradicional da gramática normativa, uma vez que esta não leva em consideração as pessoas vivas que falam, mudam e evoluem. Sobre essa análise: (ILARI; BASSO, 2011) explica que a língua é um organismo vivo, ou seja, está sempre em uso, e é uma ferramenta essencial para a comunicação.

 

Nessa concepção da língua enquanto organismo vivo, podemos fazer a seguinte analogia: da mesma maneira que existe a adaptação dos seres em relação ao seu meio, a língua também se adequa a diversos contextos e/ou situações comunicativas. Temos, nesse sentindo, a evolução/mutação como característica indiscutível da linguagem.

Diante disso, compreendemos que nossa língua não é uniforme. Apesar de existir o enfoco tradicional da gramática normativa, em que apenas o dialeto padrão, que obedece todas as formalidades é propagado com prestígio, devemos analisar a diversidade cultura e linguística imensa do nosso país, e que os falantes se adaptam a situações comunicativas diversas.

Nesse tocante, é indiscutível que a língua(gem) é variável e mutante. Não se trata de um produto pronto e acabado, a língua é um fenômeno vivo, a qual possui variações, de acordo com diversos aspectos, desde o espaço social, geográfico, cultura, entre outros. O Português é heterogêneo, assim como todas as demais línguas. Isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.

Múltiplos são os falares em cada região do nosso Brasil, cada uma com suas particularidades, desde sotaques, gírias, palavras típicas de cada lugar, e é essa variabilidade que torna a nossa língua tão bela e rica. Nesse aspecto, (COELHO, 2015, p. 59) afirma: “Podemos dizer, portanto, que uma língua, ao mesmo tempo em que possui estrutura, também é dotada de variabilidade, ou seja, trata-se de um sistema heterogêneo”.



Nessa perspectiva, temos as variações linguísticas, ou seja, as diversas formas de uso de uma língua. Essa variabilidade se dá por conta dos vários fatores extralinguísticos que influenciam o uso, desde as distinções geográficas, históricas, econômicas, políticas, sociológicas, além das muitas particularidades que envolvem falante/ouvinte/situação.

Sobre as variações, há uma tendência que já se encontra enraizada na nossa sociedade de querer obrigar as pessoas a falarem “do jeito que se escreve”, como se essa fosse a única maneira “certa” de falar português.  Bagno (2015) explica que esse preconceito surge nas próprias gramáticas e livros didáticos chegando ao cúmulo de aconselhar a “correção” de quem fala muleque, bêjo, minino, bisôro, como se isso pudesse anular o fenômeno da variação, tão natural e tão antigo na história das línguas.

Diante da visão do preconceito linguístico, qualquer uso linguístico que fuja dessa perspectiva padrão/gramatical será rotulado como “errado” ou mesmo “feio”. A ótica do preconceito das escolhas linguísticas é de que existe uma única língua portuguesa digna de prestígio, e que só deve ser aquela ensinada nas escolas (numa perspectiva sofisticada, explicada nas gramáticas e de acordo com os dicionários).

É necessário analisarmos a imensa pluralidade linguística do nosso país, já que além da extensão territorial, cada região tem suas peculiaridades e sua própria cultura. Se formos nomear como correta apenas uma maneira de uso da nossa língua estaremos negando o caráter pluralístico da nossa própria identidade.  Sobre tal concepção, afirma: Rodrigues e Figueiredo (2016, p. 17), “[...] não existe uma norma única, mas sim uma pluralidade de normas, normas distintas segundo os níveis sociolinguísticos e as circunstâncias da comunicação”. 

Depois de compreendermos o quanto nossa língua(gem) é plural e faz parte da nossa identidade, cultura e história do nosso povo, pois é a partir dela que construímos nossa vivências e experiências diárias, trouxemos algumas palavras que estão no vocabulário e no dia a dia do Ilhagrandense. Vejamos as variações e seus respectivos significados:  

Dicionário Ilhagrandense

 Amuntar: amontar ou subir.

Antonti: anteontem.

Aperriada: nervosa, sem sossego.

Armaria: não acredito.

Arroiado: lotado.

 Arriba: em cima.

Arrudiar: dar uma volta.

 Avexado: rápido.

Baldiar: vomitar.

 

Barruada: colisão.

 

Baixa da égua: um lugar bem distante.

 

Baiguim de crôa: uma pessoa muito boba.

 

Coisar: serve para qualquer verbo que você não lembra o nome no momento.

 

Destá: vai ter volta (a famosa lei do retorno).

 

Dar fé: percebeu, tomou um susto.

 

Draga: o porto dos Morros ( assim eu fiquei sabendo).

 

Estribado: “fulano tá rico”.

 

Frescar: é frescar mesmo.

 

Fi da perte: Alguém que fez algo ruim com você (Ah, seu fi da perte).

 

Mais cumpôca: daqui a pouco.

 

Mangar: achar algo engraçado.

 

Marminino: Que surpresa!

 

Marmota: algo muito estranho.

 

Menino, diacho: Acho bom parar com isso.

 

Mermã: nossas colegas.

 

Negrada: muitas pessoas.

 

Oriveja: Olha e veja! Surpresa, admiração.

 

Páia: quando algo ruim/ chato acontece.

 

Perainda: espere um pouco.

Pingo da mei dia: quando está meio-dia e o sol está quente.

 

Presepero: aquele amigo engraçado ( pode ser você também).

 

Prostrado: alguém que vive doente/acamado

 

Quintura: aquele calor da tarde.

 

Rebolar no mato: jogar fora.

 

Rumbora: Vamos!

 

Sapeca: Quando os amigos vão assar um peixe/ aquele menino sem sossego.

Sapecar: “Menino, vou sapecar isso na tua cara”.

 

Sostô: Só você pra fazer isso.

 

Tubada: muito rápido

 

Vage: o caminho que liga os Morros da Mariana ao Barro Vermelho (Quem nunca teve o pneu da moto furado na Vage?)

 

Valha: Admiração, surpresa, susto.

 

Xôxo: Triste

 

Zuada: Barulho.

 Thaisa de Castro Santos Bitencourt

Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Licenciada em Letras Português (UESPI).  

 

                                                                                                   Ilha Grande – PI, 07 de fevereiro de 2021.

Carta Ilhagrandense.

Dos autores ao povo.

 

REFERÊNCIAS

 

BAGNO, M. A língua de Eulália. São Paulo: Contexto, 2014.

________. Preconceito linguístico: o que é como se fazSão Paulo: Loyola, 2015.

________. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.

 

COELHO, I. et al. PARA CONHECER Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.

 

ILARI, R., BASSO, R.O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2011.

 

 

     

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