O jeito ilhagrandense de falar
Quem nunca participou de um “sapeca”? Ou tem um amigo “presepeiro”?
Já fez aquela faxina e “rebolou as coisas no mato”? Está com saudade das festas
“arroiadas”? “Deu fé” daquele negócio na estrada? “Marminino”, se você entendeu
até aqui, com certeza é um ilhagrandense raiz. Sendo assim, vamos deixar de “arrudei”
e “rumbora” compreender sobre nossa língua(gem)?
A língua(gem) é uma das mais importantes formas
de expressão e manifestação da cultura de um povo, pois é através dela que uma
sociedade se comunica, constrói o conhecimento e entendimento do mundo, e,
consequentemente, constitui sua própria identidade.
Nessa
perspectiva de uso, temos muitos questionamentos com relação à nossa escolha
linguística, principalmente no tangente da fala/oralidade. Já nos deparamos com
diversas dúvidas sobre o “correto” ou “errado” da nossa língua, como: “Fulano
não sabe falar, mas como ele fala errado, nem parece português”. Todos esses comentários
são comuns no que se refere ao modo como nos comunicamos.
Sobre essa dúvida quanto ao uso da linguagem, devemos
compreender que todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. De acordo
com Bagno (2014) saber uma língua, no sentido científico do verbo saber,
significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas
de funcionamento dela. E é exatamente isso que fazemos.
Nesse ensejo, Bagno (2015) afirma que uma criança de 4
anos, por exemplo, tem o domínio da sua língua, já que consegue construir
frases em que a comunicação acontece. Essa
criança só não sabe as sutilezas e sofisticações do uso dessas regras, e isso só
a leitura e o estudo podem lhe dar. Mas nenhuma criança brasileira dessa idade vai
dizer, por exemplo: “Uma meninos chegou aqui amanhã”. Isso se dá pelo fato de se
tratar de um falante nativo.
O questionamento sobre o saber ou não português se dá a
partir de visão tradicionalista que compõe o preconceito linguístico muito
presente na cultura brasileira. Principalmente porque existe uma confusão entre
língua e gramática normativa, como se apenas aquele que faz uso das regras
soubesse realmente falar português (na verdade, a gramática é apenas uma parte
da nossa língua). Sobre isso ( BAGNO, 2015, p. 10) comenta:
Existe
uma regra de ouro da Linguística que diz: “só existe
língua se
houver seres humanos que a falem”. E o velho e bom
Aristóteles
nos ensina que o ser humano “é um animal político”.
Usando
essas duas afirmações como os termos de um silogismo
(mais um
presente que ganhamos de Aristóteles), chegamos à
conclusão
de que “tratar da lingua é tratar de um tema politico”, já
que
também é tratar de seres humanos. (preconceito linguístico)
Por isso, a língua não deve ser vista como algo engessado
ou morto, enxergada unicamente pelo viés tradicional da gramática normativa, uma
vez que esta não leva em consideração as pessoas vivas que falam, mudam e
evoluem. Sobre essa análise: (ILARI; BASSO, 2011)
explica que a língua é um organismo vivo, ou seja, está sempre em uso, e é uma
ferramenta essencial para a comunicação.
Nessa concepção da língua
enquanto organismo vivo, podemos fazer a seguinte analogia: da mesma maneira
que existe a adaptação dos seres em relação ao seu meio, a língua também se adequa
a diversos contextos e/ou situações comunicativas. Temos, nesse sentindo, a
evolução/mutação como característica indiscutível da linguagem.
Diante disso,
compreendemos que nossa língua não é uniforme. Apesar de existir o enfoco
tradicional da gramática normativa, em que apenas o dialeto padrão, que obedece
todas as formalidades é propagado com prestígio, devemos analisar a diversidade
cultura e linguística imensa do nosso país, e que os falantes se adaptam a
situações comunicativas diversas.
Nesse tocante, é indiscutível que a língua(gem) é
variável e mutante. Não se trata de um produto pronto e acabado, a língua é um
fenômeno vivo, a qual possui variações, de acordo com diversos aspectos, desde o
espaço social, geográfico, cultura, entre outros. O Português é heterogêneo,
assim como todas as demais línguas. Isto é, nenhuma língua é falada do mesmo
jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria
língua de modo idêntico.
Múltiplos são os falares em cada
região do nosso Brasil, cada uma com suas particularidades, desde sotaques,
gírias, palavras típicas de cada lugar, e é essa variabilidade que torna a
nossa língua tão bela e rica. Nesse aspecto, (COELHO, 2015, p. 59) afirma:
“Podemos dizer, portanto, que uma língua, ao mesmo tempo em que possui
estrutura, também é dotada de variabilidade, ou seja, trata-se de um sistema
heterogêneo”.
Nessa perspectiva, temos as variações
linguísticas, ou seja, as diversas formas de uso de uma língua. Essa
variabilidade se dá por conta dos vários fatores extralinguísticos que
influenciam o uso, desde as distinções geográficas, históricas, econômicas, políticas,
sociológicas, além das muitas particularidades que envolvem
falante/ouvinte/situação.
Sobre as variações, há uma tendência que já se encontra
enraizada na nossa sociedade de querer obrigar as pessoas a falarem “do jeito
que se escreve”, como se essa fosse a única maneira “certa” de falar português.
Bagno (2015) explica que esse
preconceito surge nas próprias gramáticas e livros didáticos chegando ao cúmulo
de aconselhar a “correção” de quem fala muleque,
bêjo, minino, bisôro, como se isso pudesse anular o fenômeno da variação,
tão natural e tão antigo na história das línguas.
Diante
da visão do preconceito linguístico, qualquer uso linguístico que fuja dessa
perspectiva padrão/gramatical será rotulado como “errado” ou mesmo “feio”. A
ótica do preconceito das escolhas linguísticas é de que existe uma única língua
portuguesa digna de prestígio, e que só deve ser aquela ensinada nas escolas
(numa perspectiva sofisticada, explicada nas gramáticas e de acordo com os dicionários).
É
necessário analisarmos a imensa pluralidade linguística do nosso país, já que
além da extensão territorial, cada região tem suas peculiaridades e sua própria
cultura. Se formos nomear como correta apenas uma maneira de uso da nossa
língua estaremos negando o caráter pluralístico da nossa própria identidade. Sobre tal concepção, afirma: Rodrigues e
Figueiredo (2016, p. 17), “[...] não existe uma norma única, mas sim uma
pluralidade de normas, normas distintas segundo os níveis sociolinguísticos e
as circunstâncias da comunicação”.
Depois de compreendermos o
quanto nossa língua(gem) é plural e faz parte da nossa identidade, cultura e
história do nosso povo, pois é a partir dela que construímos nossa vivências e
experiências diárias, trouxemos algumas palavras que estão no vocabulário e no dia
a dia do Ilhagrandense. Vejamos
as variações e seus respectivos significados:
Dicionário Ilhagrandense
Amuntar:
amontar ou subir.
Antonti: anteontem.
Aperriada: nervosa, sem sossego.
Armaria:
não acredito.
Arroiado: lotado.
Arriba: em cima.
Arrudiar: dar uma volta.
Avexado: rápido.
Baldiar:
vomitar.
Barruada:
colisão.
Baixa
da égua: um lugar bem distante.
Baiguim de crôa: uma pessoa muito boba.
Coisar: serve para qualquer verbo que você não lembra o nome no momento.
Destá: vai ter volta (a famosa lei do retorno).
Dar
fé: percebeu, tomou um susto.
Draga:
o porto dos Morros ( assim eu fiquei sabendo).
Estribado:
“fulano tá rico”.
Frescar:
é frescar mesmo.
Fi
da perte: Alguém que fez algo ruim com você (Ah, seu fi da perte).
Mais
cumpôca: daqui a pouco.
Mangar:
achar algo engraçado.
Marminino:
Que surpresa!
Marmota:
algo muito estranho.
Menino,
diacho: Acho bom parar com isso.
Mermã:
nossas colegas.
Negrada:
muitas pessoas.
Oriveja:
Olha e veja! Surpresa, admiração.
Páia: quando algo ruim/ chato acontece.
Perainda:
espere um pouco.
Pingo
da mei dia: quando está meio-dia e o sol está quente.
Presepero:
aquele amigo engraçado ( pode ser você também).
Prostrado: alguém que vive
doente/acamado
Quintura:
aquele calor da tarde.
Rebolar
no mato: jogar fora.
Rumbora:
Vamos!
Sapeca:
Quando os amigos vão assar um peixe/ aquele menino sem sossego.
Sapecar:
“Menino, vou sapecar isso na tua cara”.
Sostô: Só você pra fazer
isso.
Tubada:
muito rápido
Vage:
o caminho que liga os Morros da Mariana ao Barro Vermelho (Quem nunca teve o
pneu da moto furado na Vage?)
Valha:
Admiração, surpresa, susto.
Xôxo: Triste
Zuada: Barulho.
Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Licenciada em Letras Português (UESPI).
Carta Ilhagrandense.
Dos autores ao povo.
REFERÊNCIAS
BAGNO, M. A língua de Eulália. São Paulo: Contexto, 2014.
________. Preconceito linguístico: o que é como se faz. São
Paulo: Loyola, 2015.
________.
A norma oculta: língua e poder na
sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.
COELHO,
I. et al. PARA CONHECER Sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.
ILARI,
R., BASSO, R.O português
da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São
Paulo: Contexto, 2011.
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