domingo, 25 de abril de 2021

SOBRE AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

 





O que são Unidades de Conservação – Ucs APA E RESEX Delta do Parnaíba?

Antes de qualquer discussão sobre UC, precisamos contextualizar esse universo da política; ações para que chegássemos às unidades de conservação como temos atualmente.

Assim, precisam-se voltar às discussões no início de 1976, num trabalho denominado “Uma análise de prioridades em conservação da natureza na Amazônia”, que fundamentou a elaboração do Plano do Sistema Nacional de Unidades de Conservação do Brasil, publicado entre 1979 e 1982.

Na sequência das ações sobre conservação, em 1981, foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo como princípio, “a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público”. Ainda em 1981, foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA – e o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Que se consideram a base sobre o assunto e abrem caminhos para que outras ações pudessem acontecer nesse âmbito da conservação da Natureza como um patrimônio vivo e para o bem viver das pessoas nos territórios relacionados às UCs.

Deste modo as UCs, quando criadas,  têm como objetivos  garantir os atributos ecossistêmicos em uma determinada região, seja em áreas terrestres ou marinhas, buscando a manutenção socioambiental nesses lugares conforme o tipo de unidade de conservação criada.

Neste sentido, o Brasil conseguiu concretizar a aprovação da Lei nº 9.985, de 18 de julho 2000, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação o (SNUC), o qual abrange as unidades brasileiras, sendo, portanto, o instrumento legal das UC­­`s, tanto em questões de criação, implantação e controle, como no tocante à gestão destas (BRASIL, 2000). Esta Lei foi um grande passo para concretizar e proteger áreas naturais do País, território onde habita a maior concentração de biodiversidade do planeta.

O SNUC proporcionou uma grande integração no sentido de aglutinar todas as Unidades de Conservação, nos âmbitos, federal, estadual e municipal. A responsabilidade da concretização destes objetivos está na jurisdição do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o qual deve acompanhar a implementação do SNUC, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio – o qual, desde 2007, assumiu a gestão das unidades de conservação federais até então sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.   

Contudo, o SNUC tem ainda grandes gargalos futuros para sua real efetivação na prática, embora grandes passos já tenham sido dados, objetivando relações mais harmoniosas entre o meio ambiente e desenvolvimento social e econômico do Brasil. Questões como: assegurar a sustentabilidade financeira do SNUC; dotar o mesmo com pessoal, em número e qualificação adequados; providenciar a regularização fundiária das unidades de conservação, são pautas que ainda estão sendo resolvidas para sua consolidação.

Este mesmo Sistema dividiu as UC`s em duas categorias de uso: Proteção Integral e de Uso Sustentável, ficando classificadas como as de Proteção Integral: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre (BRASIL, 2000). Estas UCs de proteção integral são, em sua maioria, localizadas em ambientes de grande importância ecológica, tendo também uma fragilidade: a significativa intervenção humana sobre estas, que deve ter uma atenção e restrição especial do uso, tanto do ponto de vista do bem-estar da natureza como para não causar desequilíbrios nestes ambientes.   

As UCs de Uso Sustentável, por sua vez, são: Área de Proteção Ambiental -APA, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista -RESEX, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (BRASIL, 2000). Nessas unidades, como o próprio nome sugere, é permitido o uso sustentável dos recursos naturais, desde que de forma controlada e monitorada, com preocupação de uso para as futuras gerações, como é caso das UCs APA e RESEX do Delta do Parnaíba.


Mapa da região do Delta, mostrando de verde o território dos municípios; de vermelho a área da APA; de azul a área da RESEX. 

        Exposto tudo isso, pode-se entender melhor os motivos de criação de duas unidades de conservação federais no Delta do Rio Parnaíba. Pretende-se ir mais afundo sobre as características que levaram criação da: Área de Proteção Ambiental – APA Delta, criada em 1996 e Reserva Extrativista - RESEX Marinha do Delta do Parnaíba, criada em 2000, através de decretos federais, após vários estudos, bem como a pedido das comunidades, para salvaguarda do patrimônio ambiental ou socioambiental, sociocultural e socioeconômico no território.

Sendo que as ações têm que ser de baixo impacto ao meio ambiente. Assim, é que quando se têm atividades “incompatíveis” com os objetivos das UCs criadas a partir das características do ecossistema, essas atividades socioeconômicas são gradativamente extintas desses territórios protegidos, pois elas colocam em risco toda manutenção do ecossistema qual a UC foi definida, conforme seu regime de gestão e de aspectos legais.

APA Delta do Parnaíba: é uma UC federal criada em 1996, tendo quase 25% do território composto por águas jurisdicionais e com uma população de aproximadamente de 360.000 habitantes (ICMBio, 2020). APA Delta do Parnaíba abrange três estados nordestinos: Ceará, tendo áreas dos municípios dentro da UC (Chaval e Barroquinha); Piauí, tendo áreas dos municípios dentro da APA (Cajueiro da Praia, Luís Correia, Parnaíba e Ilha Grande) e; Maranhão tem áreas dos municípios dentro da Unidade (Araioses, Tutóia, Água Doce, Paulino Neves). 



mapa mostra em destaque as 3 maiores ilhas do Delta do Rio Parnaíba: Ilha Grande de Santa Isabel, Ilha das Canárias e Ilha do Caju.

No interior da à APA Delta do Parnaíba encontram-se três outras UCs: APA da Foz do Rio Preguiças - Pequenos Lençóis, UC do estado do Maranhão que ocupa quase 40% de seu território; a Reserva Extrativista (RESEX) Marinha Delta do Parnaíba, UC federal, ocupando cerca de 9% do seu território e a RPPN Ilha do Caju, equivalente a menos de 0,04% de sobreposição. A região do Delta do Parnaíba possui vegetação de tabuleiros, restingas, manguezais, mata ciliar de várzeas e vegetação sobre dunas (IBAMA, 1999). A APA está localizada entre áreas de Cerrado e Caatinga, e é sujeita a forte influência amazônica na sua porção maranhense (KJERFVE & LACERDA, 1993).

Além disso, possui uma zona costeira constituída por um sistema contínuo de manguezais, com o aporte de grandes quantidades de água doce, provenientes de extensos rios e igarapés e altas variações de amplitudes de maré.

A pesca é fonte de saberes, fazeres, de alimento e renda para os moradores das comunidades da APA Delta do Parnaíba, que tem nessa atividade, a mais significativa atividade econômica e de fonte de renda para milhares de moradores nesse território dentro dos três estados CE, PI e MA.

Além disso, a pesca se caracteriza por ser principalmente artesanal e utilizar diferentes artes de pesca, conforme as regiões e recursos pesqueiros visados. É uma atividade tradicional, passada de pais para filhos, assim como os conhecimentos associados à sua prática e experiência, que estabelece uma relação intrínseca homem  e a natureza. Outras atividades tradicionais significativas como a agricultura familiar, a criação de animais, o extrativismo de sementes e frutos, também dependentes dos ciclos das chuvas, estão associados à subsistência e à segurança alimentar das famílias, muitas vezes complementando a renda de outras atividades como a pesca.

O funcionamento de portos, exploração de calcário, artesanato, desembarque e quebra de caranguejo, piscicultura e carcinicultura, salinas e empreendimentos de energia eólica também são atividades que ocorrem na UC. A APA Delta do Parnaíba faz parte do roteiro turístico Rota das Emoções, que abrange ainda o Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará e o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no Maranhão. Esse roteiro integrado possibilitou uma ampliação do fluxo de visitação nessas unidades, no entanto, como toda atividade socioeconômica dentro de territórios sensíveis do ponto de vista ambiental, é preciso que seja feito um constante acompanhamento, pois existem conflitos e sobreposições com atividades tradicionais quando o turismo não é bem planejado e executado.    

Dunas e manguezais dividindo espaço em meio ao Delta.

Com essa diversidade de atividades, atores e ambientes na região que abrange a APA Delta do Parnaíba, têm diversos conflitos, jogos de interesses que muitas vezes sobreposições de atividades, ocasionando assim perdas para uns,  concentração de renda para outros e danos ambientais muitas vezes irreversíveis ao ambiente que é Delta do Parnaíba, pois o Delta é uma metamorfose de vida e transformações naturais pelas movimentações de sedimentos (areia, material orgânica) que vem descendo do Rio Parnaíba até o Atlântico, criando muitas dunas, ilhas e vida nesse imenso Delta. Deste modo, a necessidade de disciplinar as ações antrópicas nesse território ou criando UCs para conserva-lo.

Assim, é preciso participação de todos e todas na gestão do território, seja ele unidade de conservação ou em uma cidade. É chave que todos os entes, sejam eles: federais, estaduais, municipais e terceiro setor possam agir, participar, monitorar e fiscalizar.  Não só na temática de UCs, mas de todos os assuntos, necessidades que têm efeitos sobre a vida das pessoas e do meio ambiente.

Um exemplo que é preciso uma atuação firme da sociedade, que não teve-se, pois a APA Delta demorou 24 anos para ter seu instrumento de gestão base (Plano de Manejo). O plano que dará condições para uma melhor tomada de decisão, tendo somente sua elaboração concluída em 2019 e publicação em 2020. Sendo o que consta no SNUC é que UC tem 5 (cinco) anos para ter um plano após sua criação. No entanto, faltam recursos, pessoal, pressão social, etc.

Além disso, falta priorização sobre a pauta da política socioambiental brasileira.  Isso mostra que os desafios foram e serão enormes para conservação do território dessa UC, sendo fundamental uma participação ativa de todos para bem comum do território e das gerações futuras no Delta do Parnaíba.


Chegada dos pescadores no porto.

As Reservas Extrativistas – RESEXs são caracterizadas principalmente por ser uma área utilizada por populações tradicionais que praticam extrativismo, pesca  agricultura familiar e criação de animais de pequeno porte, seu objetivo é proteger os meios, modos de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade de forma equilibrada homem e a natureza.

Nesse contexto, para garantir a exploração autossustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pelas populações extrativistas da região do Delta do Rio Parnaíba foi criada a Reserva Extrativista Marinha Delta do Parnaíba, através do Decreto S/N de 16 de novembro de 2000, sua área pertence aos municípios de Ilha Grande, Estado do Piauí, e nos Municípios de Araioses e Água Doce, Estado do Maranhão, sendo que 95% estão em áreas do maranhense e demais 5% em território piauiense.  Seu ecossistema característico é o manguezal e seus habitantes, vivem basicamente da extração do caranguejo uçá, da pesca artesanal, coleta de moluscos, da agricultura familiar, frutos,  turismo e criação de animais em pequena escala, pois não é permitido criações de animais de grande porte dentro de Resex, conforme o que consta na legislação. Mesmo tendo gado ainda dentro da Resex, pois era uma atividade econômica anterior a criação da UC. Assim, vem sendo feito discussões para uma diminuição gradativa do rebanho dentro da Unidade.


Estamos falando de uma região impar dentro do território brasileiro, o único delta em mar aberto das Américas, formado por mais de setenta ilhas, tendo uma fauna e flora singulares com espécies raras e endêmicas. Essas riquezas faz essa região receber quase 60 mil turistas/visitantes por ano, no entanto, as comunidades tradicionais da Resex ainda pouco se beneficiam desse turismo. Por isso, que a partir de 2018, as comunidades vêm buscando programar o Turismo de Base Comunitária – TBC, pode-se dizer que vários passos para esse desenvolvimento foram e serão dados, bem como de outros vários arranjos produtivos como: cata do caranguejo, pesca, cata de moluscos e extrativismo vegetal precisam de uma atuação pesada do poder público para fortalecer os arranjos, dando assim condições e ampliando a efetivação dos objetivos do território criado para as pessoas que vivem nesse espaço protegido.

Imagem ilustrativa de loteamento dos empreendimentos Pure Resorts para a praia do Cutia (2016). https://tribunadonordeste.com/pure-resorts-parnaiba-mudara-historia/

No entanto, a Resex por estar em uma região de muitas belezas tem chamado atenção de algumas especulações de várias forças que visualizam a UC como algo ruim, pois sabemos quanto área/pauta socioambiental vem sofrendo com atual modelo de Governo Federal vigente. Até tendo fala e ações do mandatário do Ministério do Meio Ambiente – MMA que seria o momento e “passar a boiada” diante do cenário de pandemia sobre mudanças na legislação socioambiental. Isso por si só, mostra quanto tem de desafios sobre como efetiva UCs no Brasil e evidenciando esses territórios como fontes de vida para as presentes e futuras gerais, seja no do Delta do Parnaíba ou em outro recanto do Brasil.

Um detalhe diferente das APA´s, a gestão das RESEX é feita em cogestão com ICMBio, através do conselho deliberativo da Unidade, que é diferente do Conselho de uma APA, que é meramente consultivo. Além disso, os comunitários através da Associação Mãe da Resex do Delta – AMAR Delta, atualmente são detentores do Contrato de Concessão do Direito Real de Uso – CCDRU, assinado em 2018 pelo o ICMBio e AMAR Delta.

Esse contrato permite mais responsabilidades ao território, bem como mais segurança que o território continuará sendo para as comunidades tradicionais. Outra característica importante das RESEXs é que não existe propriedade privada dentro do território, todo o território é de domínio público para usufruto dos moradores locais da UC de forma sustentável.

Além disso, a assinatura promoveu a regularização fundiária para as populações tradicionais, permitindo o acesso às políticas públicas e aos programas públicos e segurança para realização de benfeitorias voltadas à produção.


 Deste modo, é necessário criar vários instrumentos de gestão para o território. E mais importante é que esses instrumentos são construídos pelos próprios comunitários, extrativistas. Isso não é uma atividade fácil dentro de uma realidade que falta recursos financeiros e humanos para uma efetiva cogestão do território. Atualmente dentro da Resex do Delta do Parnaíba tem regramentos sobre: tamanho dos pescados que podem ser capturados, tamanho do caranguejo pode ser catado, ostra, definições de certos locais para pesca somente com um apetrecho, limitação da prática do esporte do kite surf dentro da Resex, que é proibido por meio de resolução do conselho deliberativo, é proibido que lanchas, barcos passe em alta velocidade próxima dos portos das comunidades, através de portaria pública pelo ICMBio.

Isso tudo, pensando na manutenção dos recursos naturais e modo de vida dos moradores locais, pois a UC foi criado para viabilizar a conservação e uso autossustentável dos recursos pelas comunidades tradicionais e extrativistas.

Além disso, se Delta do Parnaíba ainda se encontra “conservado” é pelo fato que existe duas UCs nesse território: APA e Resex Delta do Parnaíba, para, além disso, têm-se centenas de comunidades que dão vida e buscam do seu jeito de ser, de realizar suas atividades e viverem de modo mais equilibrado com a natureza.  

Pode-se ter certeza, sem essas UCs criadas há mais de duas décadas, o Delta do Rio Parnaíba seria algo “feio” e espaço para poucas comunidades tradicionais. Como já mencionado, desafios existem. Isso demanda uma participação ativa da sociedade para cobrar e fortalecer lutas em defesa da vida e da natureza. Sem natureza conservada, não teremos vida humana. Cuidar da nossa “Casa Comum”, do planeta terra é algo urgente!

Escrito por: LUCIANO GALENO, Turismologo, Conselheiro das UCs APA e Resex Delta, Educador Social - CPP e Associado da ONG Comissão Ilha Ativa - CIA.


Ilha Grande – PI, 25 de abril de 2021.

Carta Ilhagrandense.

Dos autores ao povo


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