Você já ouviu dizer que, agosto não é um mês auspicioso?
No dia 2 de
agosto de 1934, há exatos 86 anos, Hitler se tornou líder da Alemanha. Nos dias
6 e 9 de agosto de 1945, Hiroshima e Nagazaki foram destroçadas pelas bombas
atômicas, matando de uma só vez o mesmo que a Covid matou no Brasil até agosto
de 2020, algo em torno de 90 à 100 mil pessoas. Em 24 de agosto de 1954,
Getúlio Vargas, então presidente do Brasil, se matou. E em 21 de agosto de 1961
Jânio Quadros renunciou à presidência.
Fatos assim,
já aconteceram em outras datas, mas crenças bem mais antigas corroboram para a
reputação do mês, por exemplo: no Século 1, os romanos viam a constelação de
Leão e acreditavam que era um enorme dragão que estava cuspindo fogo no
céu. A expressão “casar em agosto traz desgosto”
que, viria a se tornar “agosto, o mês do desgosto”, ficou famosa em Portugal 14
séculos depois, pois era nesse período (agosto) que as caravelas costumavam
sair, e as recém casadas temiam ficar sem seus maridos.
Para esse mês
tão cheio de suspeições e crendices, o Carta Ilhagrandense pediu para os
colaboradores escreverem sobre as crenças, costumes e superstições da cidade.
Há não muito
tempo, a população de Ilha Grande, sem energia elétrica e com ruas de areia
branca, sentava-se na frente de casa para conversar durante a noite. Muita
coisa era falada, mas as histórias de assombração faziam muitas crianças mijarem
nas redes, com medo de ir ao banheiro que, nessa época ficava fora de casa. O
tempo passa, mas as histórias continuaram sendo reproduzidas. Agora, Samuel vai
nos contar como foi sua experiência com o sobrenatural e você, sinta-se à
vontade para deixar seu causo nos comentários dessa postagem.
Nunca fui muito crédulo em achar que o mês de Agosto fosse tão cheio de
superstições, porém posso dizer que o caso que pude presenciar aconteceu nesse
mês. A mesma descrença que eu tinha do mês de Agosto ser "carregado
", assim também era minha visão acerca do sobrenatural e dos mistérios que
pairava sobre esses 31 dias, ou seja, não acreditava em "visagem". O
Carta Ilhagrandense, anteriormente, já apresentou em um de seus textos sobre a
viagem ao Cutia. Foi em um desses passeios, durante a lua cheia de agosto, que
esse episódio que pretendo contar aconteceu. Vamos lá.
Toda minha infância foi recheada de estórias de assombrações,
fantasmas, monstros, almas penadas (não me perguntem a diferença, eu não sei), que
os mais velhos contavam pra encher nossa imaginação de dúvidas ou não, pois
alguns acreditavam. De lobisomens à mulher que se transformava em porca,
Não-Se-Pode um ser que crescia sem parar a medida que se afastava de nós e
muitos outros que perturbavam nossa mente, e em especial a Mulher Chorona, tema
do nosso assunto.
As assombrações são externadas de
duas formas. Absorvemos crenças de outros lugares e refletimos em um personagem
da própria cidade, como apontar fulano ou ciclano como lobisomem, sendo que a
crença em homens-lobo aparece em obras de filósofos antigos, como Heródoto
(Mula sem cabeça e bruxas estão nessa classe). Ou podemos externar nosso medo
em almas não identificadas que fazem parte do folclore, como o Velho do Saco, o
Assobiador e o Gritador.
Era Agosto, uma sexta-feira, o primeiro dia de um fim de semana cheio
de diversão. Como sempre o dia era repleto de atividades, cada grupo
responsabilizava-se pela sua tarefa e as refeições era o que marcava o tempo. O
café da manhã já tinha ficado para trás. Depois de uma manhã cheia de trabalho,
o almoço era a refeição principal, uma iguaria, até quem não gostava de peixe
comia sem resistir. Os olhos brilhavam ao ver borbulhar em um tacho com carás, cajus
e uma variedade de temperos. Nossa! E a janta, o tradicionalíssimo
"sapeca", era a última refeição do dia.
Depois do jantar, todo mundo procurava uma lagoa para banhar, vestia-se
roupas adequadas para a noite na beira da praia, o vento frio estava por vir. A
noite começa, uns se aquecem ao redor da fogueira enquanto outros se preparam
para algazarra e eu nem poderia imaginar que mais tarde seria espectador de um
fato inexplicável e depois poderia contar tendo eu, o presenciado.
Todo mundo sabe que, beira de
praia é lugar visagento (assombração tem vários nomes em Ilha Grande: visagem,
marmota, aparição...).
Das 19:00 às 22:00 a criançada, inclusive eu, corria sem cessar, eram
várias brincadeiras em uma só noite, esconde-esconde, bandeira, anel de pulo,
cai no poço, e outras muitas, mas o importante era não cansar, impossível,
alguns ainda na brincadeira baixava suas redes que ficavam dentro do rancho -
local onde armavam-se as redes e nos guardavam do "relento" (céu
aberto e frio) - e a criança que tinha ficado para procurar as outras sofria
para achar quem já estava no segundo sono. Haha a galera era má! Os mais novos
já tinham desistido da batalha, ou melhor, da brincadeira. Quando me dei conta
apenas eu tinha sobrado.
Os mais velhos estavam no "esquema" e como sempre aparecia
alguém pra atrapalhar. Esse alguém era eu. Ora, se tratava de pessoas minhas,
minhas irmãs, atrapalhava mesmo! Eu chegava de fininho e me infiltrava no meio
deles, pois eles não tinham horário para dormir, porém, de vez em quando
escutava alguém dizendo: -- "menino, vai dormir" e eu nem
"thuiú". No intuito de forçar as últimas crianças a irem deitar,
começavam as estórias de assombração e todo mundo sempre tinha alguma para
contar, às vezes, inventavam, outros relatavam casos de outras pessoas, mas
ninguém saia sem contar um "causo".
Nós éramos umas 6 (seis) pessoas na turma que ainda estava fora do
rancho. As estórias provocavam em nós uma mistura de muitas coisas: ansiedade,
medo, tensão, adrenalina, calafrio, e ora ou outra alguém dizia: "negrada
o que é aquilo ali heim? Hahaha, até visões provocava. Já eram meia noite e
meia justinho, lembro do meu cunhado dizer isso pra minha irmã e ela responder
"1:00 hora vamos entrar pro rancho". Estória vai, estória vem… de
repente chega correndo um saliente da turma chamado Splayt. De tanto mentir e
de "cara lisa" ninguém acreditava mais nele, mas dava pra perceber um
certo espanto em seu rosto, o "filho da mãe" também era um excelente
ator, assustado ele falou:- Rocês tão ouvindo isso aí negrada? Então todos
pararam e fizeram silêncio para ouvir melhor. Ninguém queria ser o primeiro a
dizer que tinha escutado, talvez para não assustar os outros. Eu já tinha
escutado, contudo, não ia dizer pra não ser taxado de mentiroso, mas aí não
teve jeito! Quando minha irmã mais velha começou a chorar de medo, a galera
logo sacou que o lamento da "visagem" já tinha sido percebida por
todos.
A Mulher Chorona é uma dessas estórias de assombração que ouvimos ao
redor da fogueira. Uma das versões sobre sua origem relata a tragédia de uma
mulher rica e gananciosa que, ao perder o marido, perde também sua fortuna e,
não suportando a miséria, afogou seus filhos e matou-se, mas retornou para
penar por seus crimes. Foi ela que ouvimos naquela noite.
La
Llorona (A Chorona) é uma lenda mexicana e talvez seja a fonte da ideia
principal para as demais versões. Sua origem é incerta, até porque existem várias. A mais aceita remota o
período colonial e é baseada nas crônicas de Bernal Díaz del Castillo, que
participou da conquista do Império Mexicano. Diz Bernal Díaz del
Castillo que, La Llorona era uma mulher de origem indígena, amante de um
cavalheiro espanhol. Quando a jovem lhe pediu para formalizar o relacionamento,
ele se recusou, pois pertencia à alta sociedade. Esse, basicamente, foi o estopim que
desencadeou a tragédia pela qual sua alma vagaria em tristeza. Ainda de acordo
com as crônicas, na noite em que foi rejeitada, La Llorona assassinou seus dois
filhos, um menino e uma menina. Após perceber o que havia provocado, emitiu um
grito arrepiante. O mesmo que dizem escutar hoje. O mito ganhou até adaptação para
o cinema em 2019.
O primeiro lamento foi o mais perceptível, todos que estavam na turma
escutaram. Era uma espécie de pedido de misericórdia, quando a Mulher Chorona
tentava pronunciar algumas palavras, algo como um pedido de socorro, cães, que
ninguém sabe de onde saíam, começavam a rosnar e latir, como se impedissem que
o pedido fosse completado. Logo em seguida, a "alma" começava a
chorar dando a impressão de que estava sendo mordida. Nós nos perguntávamos:
"como pode um lugar a uns 8 (oito) km de distâncias da cidade, um local
quase inabitado, estar cheio de cães? Ninguém ousava dar explicações. Não
sabíamos ao certo de onde vinha, mas estávamos certo que aquilo estava
acontecendo e que ela passava logo ali a frente.
O segundo choro da assombração estava distante, agora bem menos
audível, em questão de segundos tinha percorrido um trecho de mais ou menos um
quilômetro. Assustados e atentos, em silêncio estávamos nos preparando para
ouvir a terceira súplica. Minha mãe que estava dentro do rancho, mas ainda
acordada, ao perceber o choro da minha irmã e o lamento da assombração, saiu
para saber o que estava acontecendo e disse:- “vocês não vão entrar não? Passa
pra dento todo mundo”. Foi então que percebi que a maioria das crianças estavam
aflitas, pois o lamento foi percebido até por quem já estava deitado. Minha mãe
tentava acalmar alguns que estavam chorando porque tinham escutado e ficaram
com medo.
Uma vez me disseram - não lembro quem- que assombração só pode ser
vista ou ouvida por uma pessoa. Depois desse fato pensei: " rapaz, eu tive
sorte por ter escutado e compartilhado o som de uma "alma". Fiquei
com medo no primeiro momento, mas depois senti pena da "chorona",
tadinha, nem conseguia pedir misericórdia, talvez seu pecado deva ter sido
enorme pra não ser perdoado.
Caro leitor, espero que tenha gostado da leitura. Se não acredita, não
tem problema porque sua dúvida faz sentido, afinal, se não tivesse acontecido
comigo eu também não acreditaria.
SAMUEL RIBEIRO, funcionário publico, ilhagrandense, com formação em Letra Português pela UESPI- Parnaíba.
Ilha Grande – PI, 02 de agosto
de 2020.
Carta
Ilhagrandense.
Dos autores ao
povo.
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